MEMORIAL DA PARÓQUIA DE SENHORA SANT'ANNA
domingo, 3 de junho de 2012
DADOS E FATOS SOBRE AFRICANOS E SEUS DESCENDENTES EM SANTANA DO ACARAÚ – CE
INTRODUÇÃO
A historiografia brasileira é, ainda, apesar dos diversos estudos e trabalhos de pesquisa, muito silente no que diz respeito à história dos povos africanos e seus descendentes.
No Brasil, a escravidão africana, em diferentes momentos e nas diferentes regiões, assumirá caracteres diferenciados.
Conforme Farias (2007) o Ceará, que teve seu período de maior povoamento marcado pelas entradas, terá a história de sua escravidão africana marcada pelos usos destes em afazeres com a lida pastoril e, sobretudo, nas tarefas domésticas.
A ocupação do território que hoje corresponde á cidade de Santana do Acaraú não foge a regra do restante do estado. Foram as entradas, sobretudo no século XVIII, que fixaram muitos de seus colonizadores no referido território.
A história particular dos africanos e afro – descendentes na ocupação deste território ainda é desconhecida.
Neste artigo reunimos alguns relatos bibliográficos e documentais pontuais interessantes à história do município de Santana do Acaraú.
ALGUNS RELATOS INTERESSANTES À HISTÓRIA DE SANTANA DO ACARAÚ
O primeiro e mais antigo relato sobre escravos em Santana do Acaraú que conhecemos, nos vem de um antigo assento de Casamento:
Aos vinte e hum de Mayo de mil setecentos e quarenta e oito em a capella de S.Anna corridoz os banhos nesta freguesia sem impedimento em presenza do padre Antonio dos santos de minha licenza se receberão por palavras de presente Antonio do gentio de guinê e Cathirina Tapuya escravos de Antonio Coelho... (Livro um da Diocese de Sobral, casamentos, 1741 - 1769 fls 111vs)
Tal assento de Casamento relata a união entre um Africano e uma indígena, oficiada pelo fundador da Capela Padre Antônio dos Santos da Silveira.
Sobre a população escrava, utilizando-se de dados de um relatório apresentado à Assembleia Provincial pelo Dr. Esmerino Gomes Parente em 2 de Julho de 1875, o Folhetinista de O Município de Santana nos fornece um primeiro número de 1028 escravos, num universo de 13.374 habitantes, em um território que, na época, continha seis povoados: Marco (atual município de Marco), Morrinho (atualmente o município de Morrinhos), Massapê (hoje a cidade de Massapê), Pitombeiras, Tucunduba e Mutambeiras.
Para atestar a veracidade destes dados o autor supracitado os compara com os dados eleitorais do ano de 1873 que registravam o número daqueles impedidos de votar como os escravos. Segundo estes dados, até 30 de Setembro do citado ano, o número destes era 1.113, sendo 515 mulheres e 598 homens.
Tendo o Capelão da Capela de Santana do Olho D’água e Almas (que mais tarde se tornaria a Igreja Matriz de Santana do Acaraú): Padre José Gomes Freire, deixado a direção da mesma, em seu lugar ficou um homem negro, escravo de um falecido padre baiano chamado José Rodrigues Lyra que, apropriando-se das vestes e do nome do Senhor, dirigiu a Capela até o ano de 1835, quando dela fugiu perseguido pela polícia. (O Município de Santana, 1926, página 103).
Durante a Campanha Abolicionista do Ceará, nas cidades interioranas, organizaram-se comissões que administravam os recursos para as compras de cartas de alforria. A de Santana do Acaraú, conforme Girão (1988), era composta pelo vigário da época padre Francisco Xavier Nogueira, Pelo Juiz Municipal Antônio Borges da Fonseca Júnior e pelo presidente da Câmara de Vereadores José Bernardino Ferreira Gomes de Maria.
A comissão de Santana encerrou seus trabalhos no dia 1º de fevereiro de 1876 com a aquisição de sete cartas de liberdade.
Em Santana, era costume, por ocasião do aniversário da fundação da Casa de Caridade fundada pelo padre Ibiapina (ocorrida no dia 3 de Fevereiro de 1863), após o leilão de objetos valiosos, comprar, com o valor do mesmo, uma carta de alforria com a qual se libertava uma menina negra que ficava aos cuidados das irmãs da Casa de Caridade. (O Município de Santana, 1926, pág. 199).
O Barão de Studart em seu Dicionário Bio – bibliográfico cearense afirma que foi através do Jornal O Município de Sant’Anna, semanário noticioso que circulou na cidade de 1882 a 1889, que o Dr. José Mendes Pereira de Vasconcelos lutou contra a escravidão em Santana do Acaraú, a qual teve seu fim em 26 de Janeiro de 1884.
A tradição oral da cidade afirma que um de seus bairros: O Alto da liberdade é assim denominado porque ali se estabeleceram os negros após a Abolição. Era neste bairro que muitos Terreiros de Umbanda se concentravam.
Nas décadas de 60 e 70 do Século XX, fortemente marcadas pelo preconceito, os afro – descendentes, os agricultores, os operários e, enfim, as pessoas sem sobrenomes importantes, participavam de festas dançantes no Clube dos Operários, também chamado de Clube dos Caboclos ou Clube dos Negros, sumariamente proibido ás moças e rapazes da elite Santanense.
sábado, 25 de fevereiro de 2012
NOSSA HOMENAGEM AOS TRILHEIROS DO SERROTE DA ROLA - SANTANA DO ACARAÚ - CEARÁ
Vamos fazer um bom exercício de atualizar a memória.
Quem disse que Santana não tem nada e que seu povo não é um povo que empreede engana-se muito.
Enquanto uma certa parcela de pessimistas lamenta-se de que Santana do Acaraú não tem nada e não é nada, outros, conhecedores de seu potencial, vivem o que sua terra tem de peculiar.
O exemplo que vou citar hoje é o dos jovens trilheiros do Serrote da Rola.
Apaixonados pelos caminhos do Serrote, muitos destes meninos, desde muito pequenos, conhecem e levam outros a conhecer as belezas daquele lugar: os olhos d'água, os abrigos (chamados por eles de cavernas) e as vistas de uma parte do Vale do rio Acaraú que dali se pode ter.
Enquanto acampam , caminham,tomam banho, estes jovens sempre descem com sacolas nas quais coletam o lixo dos caminhos, desarmam armadilhas feitas para pegar animais do Serrote (Preás, rabudos, mocós, mambiras, dentre outros), fotografam e observam o estado de conservação da pinturas rupestres.
Queremos deixar aqui nossa homenagem a Irineu Braga (Igo Braga), Elder Frota, Davi, Antônio Fernandes, Vanderlei e outros tantos amigos e amigas que colaboram para que um dos nosso patrimônios seja conservado.
Quem disse que Santana não tem nada e que seu povo não é um povo que empreede engana-se muito.
Enquanto uma certa parcela de pessimistas lamenta-se de que Santana do Acaraú não tem nada e não é nada, outros, conhecedores de seu potencial, vivem o que sua terra tem de peculiar.
O exemplo que vou citar hoje é o dos jovens trilheiros do Serrote da Rola.
Apaixonados pelos caminhos do Serrote, muitos destes meninos, desde muito pequenos, conhecem e levam outros a conhecer as belezas daquele lugar: os olhos d'água, os abrigos (chamados por eles de cavernas) e as vistas de uma parte do Vale do rio Acaraú que dali se pode ter.
Enquanto acampam , caminham,tomam banho, estes jovens sempre descem com sacolas nas quais coletam o lixo dos caminhos, desarmam armadilhas feitas para pegar animais do Serrote (Preás, rabudos, mocós, mambiras, dentre outros), fotografam e observam o estado de conservação da pinturas rupestres.
Queremos deixar aqui nossa homenagem a Irineu Braga (Igo Braga), Elder Frota, Davi, Antônio Fernandes, Vanderlei e outros tantos amigos e amigas que colaboram para que um dos nosso patrimônios seja conservado.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Plauto Araújo - saudades
AOS MEUS CONTERRÂNEOS E AMIGOS, EMBORA DE MANEIRA TARDIA E, INFELIZMENTE, APÓS SUA MORTE, QUERO APRESENTAR, ATRAVÉS DESTE ARTIGO DE TOTÓ RIOS, O POETA E MEMORIALISTA BELACRUZENSE JOSÉ PLAUTO ARAÚJO.
PLAUTO, JUNTAMENTE COM VICENTE FREITAS, TOTÓ RIOS, COM O SENHOR JOSÉ DE FÁTIMA, E OUTROS TANTOS MAIS, FAZ PARTE DAQUELE CONJUNTO DE HOMENS E MULHERES MILITANTES NA LUTA PELA PRESERVAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS CULTURAIS DE NOSSAS CIDADES DE MÉDIO E BAIXO VALE DO ACARAÚ.
AOS FAMILIARES DE PLAUTO ARAÚJO E AOS BELACRUZENSES NOSSOS SINCEROS PÊSAMES!
Hoje 07 de fevereiro de 2012 deparo-me com uma noticia que me causou surpresa: o falecimento do professor e escritor José Plauto Araújo de Bela Cruz comunicado pelo Vicente Freitas.
Há alguns meses estive em Bela Cruz a fim de visitá-lo para que pudéssemos visitar o Museu da cidade, pois gostaria de conhecer o que ainda não foi possível.
Mas sua filha comunicou-me que o mesmo estava em viagem a Fortaleza.
Durante este período não tive informações que o Plauto estivesse enfermo.
Conheci o Plauto Araújo quando de minhas visitas as cidades do Baixo Acaraú para realizar minha pesquisa histórico-cultural para obter informações para o Projeto Acaraú pra recordar o que ele me ajudou bastante.
Plauto Araújo homem de sabedoria e inteligência admirável, professor, escritor de vários livros.
Lamento não ter sabido de seu falecimento ontem para que pudesse prestar minha última homenagem ao amigo.
Meus sentimentos aos familiares e amigos belacruzenses.
José Plauto Araújo, nasceu em Bela Cruz-Ceará, em 1958, de um casal nobre. Viajou por vários estados brasileiros, onde fez vários cursos e exerce várias profissões: é pedagogo, coordenador de vigilância sanitária, fiscal ambiental, faz parte do CONDEMA, especialista em admirar a beleza natural feminina, poeta, escritor, professa a fé protestante, exerce o digno cargo de diácono, além de professor é um forte pregador, muito versado nos textos sagrados, amante alucinado da música psicodélica tem um respeito profundo pelas pessoas, mas gosta de apreciar o lado animal de cada um, enquanto saboreia toda beleza que lhe rodeia e isto é o que lhe faz um ente sempre alegre e satisfeito.
Começou sua vida literária ainda adolescente numa vida nômade e inconstante, partindo para o Rio de Janeiro para trabalhar em redes hoteleiras, onde conheceu muitos artistas famosos, entre eles Frank Sinatra, George Watter, etc. Mesmo que iniciara sua vida literária muito cedo, só no ano 2000 é que publicou algumas de suas obras, entre elas: Vozes Mélicas, Luta Interior e O Caminho do Peregrinar.
De sua lavra literária podemos citar 05 livros poéticos, 02 históricos, 01 romance e 03 doutrinários. Em sua trajetória literária foi obrigado por motivos de perseguições, a queimar muitas de suas poesias. O que lamenta pela irreparável perda.
A base de toda prosa e versos de Plauto Araújo apóia-se no profundo sentimento que tem pelos mistérios da vida. Cuja lógica ultrapassa a, da consciência habitual, desvendando o duplo de cada homem, na impressão do realismo dentro do irreal. Os cenários são repletos de pavor da morte. Onde mergulha no lado desconhecido das ansiedades da alma, o que faz de Plauto Araújo, um alucinado pelos mistérios da Imaginação Humana.
Totó Rios
PLAUTO, JUNTAMENTE COM VICENTE FREITAS, TOTÓ RIOS, COM O SENHOR JOSÉ DE FÁTIMA, E OUTROS TANTOS MAIS, FAZ PARTE DAQUELE CONJUNTO DE HOMENS E MULHERES MILITANTES NA LUTA PELA PRESERVAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS CULTURAIS DE NOSSAS CIDADES DE MÉDIO E BAIXO VALE DO ACARAÚ.
AOS FAMILIARES DE PLAUTO ARAÚJO E AOS BELACRUZENSES NOSSOS SINCEROS PÊSAMES!
Hoje 07 de fevereiro de 2012 deparo-me com uma noticia que me causou surpresa: o falecimento do professor e escritor José Plauto Araújo de Bela Cruz comunicado pelo Vicente Freitas.
Há alguns meses estive em Bela Cruz a fim de visitá-lo para que pudéssemos visitar o Museu da cidade, pois gostaria de conhecer o que ainda não foi possível.
Mas sua filha comunicou-me que o mesmo estava em viagem a Fortaleza.
Durante este período não tive informações que o Plauto estivesse enfermo.
Conheci o Plauto Araújo quando de minhas visitas as cidades do Baixo Acaraú para realizar minha pesquisa histórico-cultural para obter informações para o Projeto Acaraú pra recordar o que ele me ajudou bastante.
Plauto Araújo homem de sabedoria e inteligência admirável, professor, escritor de vários livros.
Lamento não ter sabido de seu falecimento ontem para que pudesse prestar minha última homenagem ao amigo.
Meus sentimentos aos familiares e amigos belacruzenses.
José Plauto Araújo, nasceu em Bela Cruz-Ceará, em 1958, de um casal nobre. Viajou por vários estados brasileiros, onde fez vários cursos e exerce várias profissões: é pedagogo, coordenador de vigilância sanitária, fiscal ambiental, faz parte do CONDEMA, especialista em admirar a beleza natural feminina, poeta, escritor, professa a fé protestante, exerce o digno cargo de diácono, além de professor é um forte pregador, muito versado nos textos sagrados, amante alucinado da música psicodélica tem um respeito profundo pelas pessoas, mas gosta de apreciar o lado animal de cada um, enquanto saboreia toda beleza que lhe rodeia e isto é o que lhe faz um ente sempre alegre e satisfeito.
Começou sua vida literária ainda adolescente numa vida nômade e inconstante, partindo para o Rio de Janeiro para trabalhar em redes hoteleiras, onde conheceu muitos artistas famosos, entre eles Frank Sinatra, George Watter, etc. Mesmo que iniciara sua vida literária muito cedo, só no ano 2000 é que publicou algumas de suas obras, entre elas: Vozes Mélicas, Luta Interior e O Caminho do Peregrinar.
De sua lavra literária podemos citar 05 livros poéticos, 02 históricos, 01 romance e 03 doutrinários. Em sua trajetória literária foi obrigado por motivos de perseguições, a queimar muitas de suas poesias. O que lamenta pela irreparável perda.
A base de toda prosa e versos de Plauto Araújo apóia-se no profundo sentimento que tem pelos mistérios da vida. Cuja lógica ultrapassa a, da consciência habitual, desvendando o duplo de cada homem, na impressão do realismo dentro do irreal. Os cenários são repletos de pavor da morte. Onde mergulha no lado desconhecido das ansiedades da alma, o que faz de Plauto Araújo, um alucinado pelos mistérios da Imaginação Humana.
Totó Rios
sábado, 17 de dezembro de 2011
COMENTÁRIO SOBRE O CAPÍTULO I DE O MUNICÍPIO DE SANT'ANNA: O DEPÓSITO
Este trecho é um "hino" nacionalista, dentre outros tantos presentes no livro.
Rememorando as lutas que a Coroa Portuguesa travou com a França e a Holanda; utlizando de linguagem romântica e bucólica, o autor mostra o território cearense pela descrição de sua topografia,vegetação e limites. O território conquistado e batizado pelo nome de Ceará é definido como um troféu conquistado e nação de um só povo.
Toda esta descrição é feita para contextualizar a Lagoa Encantada, Cenário do território da Vila do Aquiraz onde ocorrerá o encontro entre o Ouvidor Antônio Loureiro de Medeiros e a mítica figura da índia Messejana.
Absorto na contemplação da referida lagoa, o Ouvidor Loureiro é surpreendido pela aparição da centenária indígena que, a princípio, pareceu-lhe muito mais um espectro daquelas matas do que um ser humano.
A primeira descrição da nativa mostra toda a estranheza do colonizador ante a alteridade da índia:
"Esbranquiçados cabellos, estirados como as cerdas do Javali, pendião - lhe da cabeça até a cinta; e o corpo vergado, fasendo-os cahir sobre a fronte, deixava ver nelles uma toalha branca meio esfumada, que lhe envolvia o rosto.
O resto do corpo era coberto por uma saia curta tecida de penas de pássaros, preza as costelas ocultando-lhe as mamas, e sustentada por duas largas embiras, que enlaçavão os hombros: as espaduas e os braços estavam nús".
Neste primeiro momento a figura da nativa idosa, encurvada e seminua é mítica e anacrônica, símbolo de uma era anterior à criação da "Nação Brasileira", marcada pela "selvageria", por "elementos diabólicos e pagãos".
A reação do ouvidor a esta figura que se lhe aproxima com passos firmes e ligeiros, e lhe dirige a palavra em fluente português é sacar da bainha um punhal, para indicar a distãncia que esta deveria ficar dele.
Por seu turno, a resposta da índia descrevendo as armas e os "soldados" que lhe guardavam, no discurso nacionalista do texto, longe de ser uma descrição da Alteridade do povo Tabajara, é um conjunto de figuras de linguagem utilizado para dizer ao colonizador que a "Nação Brasileira" tem condições de reagir ás ofensas portuguesas e de caminhar sem os auspícios de Portugal.
Ameaçado pela possibilidade de ser alvejado por flechas, Loureiro escuta Messejana que, inicia seu discurso de heroína nacionalista rememorando a dor de Antônio Felipe Camarão, em seu leito de morte, ao perceber que apoiara a um conquistador que traíra seu povo e a muitos outros povos indígenas submetendo-os à escravidão.
Emocionada em certa altura do discurso, a índia solta um grito de dor em meio a convulsivo pranto que, assustando o Ouvidor, leva-o a novamente sacar o punhal e a ser surpreendido com o disparo de flechas que caindo entrecruzadas servem de arrimo á índia.
Estava provado o que a índia dissera ao Ouvidor no início do encontro e, o sentido do gesto das flechas entrecruzadas tem seu sentido ampliado na fala nobre e profética que o autor atribui á personagem:
"Neste momento, senhor, eu sou a imagem da Pátria, que acabrunhada de opressões, reage contra ti, que symbolisas o poder... "
"O espetaculo que ora se dá, será reproduzido no futuro: Um grito, como o que se exahlou do meu peito, arrebatará este Paiz às garras de Portugal!...a nação abatida se erguerá!...As suas armas assustarão o despotismo, e a libreddade assumirá os seus direitos."
A nobreza da fala da índia reflete um dos objetivos da corrente do romantismo da época: A BUSCA DE UM HERÓI NACIONAL, que seja o símbolo de uma nação independente e única.
A parte seguinte à esta tem como fio condutor a idéia de que "o homem não é propriedade do homem."
A defesa da liberdade, que "sai da boca" da heroína do folhetim não é um mero desenvolvimento de uma idéia reproduzida a partir de algo que o Autor aprendeu na Faculdade de Direito do Recife.
José Mendes Pereira, como advogado e deputado provincial, particpou de vários momentos da campanha abolicionista cearense. Um dos mais importantes foi aquele onde, propondo uma emenda ao Projeto de Lei do Deputado Raimundo Carlos da silva Peixoto, consegue que este seja aprovado, elevando o valor da taxa de exportação de escaravos, conforme relata Raimundo Girão em seu livro A Abolição no Ceará.
Logo, o discurso sobre a liberdado proclamado por Messejana, foi elaborado neste contexto e com o propósito de apoiar o movimento para derrubar o sistema escravocrata: um dos pilares do Império de Dom pedro II.
Acreditamos que os folhetins não eram destoantes dos artigos publicados no Jornal. Studart Filho, em biografia do Dr José Mendes Publicada em seu dicionário Bio - bibliográfico cearense, afirma que o mesmo utilizou o jornal como instrumento de libertação dos escravos da cidade.
Porém, neste capítulo, os exemplos de agressão á liberdade são referentes aos indígenas muito mais por uma questão de preservação da imagem de um cidadão brasileiro que está sendo construída do que dos índios em si mesmos, com suas identidades: Tabajara,Calabaça, Cariú, etc.
As entrelinhas deste argumento final trazem a seguinte idéia: não se pode construir uma nação com indivíduos autênticos sob a mancha da escravidão que é uma ameaça à sua soberania.
Messejana proclama todo este discurso ao Ouvidor Loureiro por acreditar ser o mesmo homem de bons propósitos e capaz de promover a luta por liberdade que ela lhe surgeriu.
Para atestar ao Ouvidor, esperado e escolhido entre tantos, que era "criatura evoluída" e possuídora de bons propósitos, afirma ser "cearense" e "cristã".
Estas afirmações foram a senha necessária para que o Ouvidor, dali em diante mais tranqüilo, aceitasse acolher o segundo propósito da índia: entregar-lhe um depósito (espécie de pequena urna feita de uma cabaça e atada com fios de fibra vegetal)que o tio - avô Dom Felipe Camarão pediu que fosse entregue em mãos de um ouvidor de boa índole.
As entrelinhas nos comprovam que nem a índia e tampouco o Ouvidor sabiam que ali estava um manuscrito de Frei Cristóvão de Lisboa, sobre o qual falaremos mais adiante.
Rememorando as lutas que a Coroa Portuguesa travou com a França e a Holanda; utlizando de linguagem romântica e bucólica, o autor mostra o território cearense pela descrição de sua topografia,vegetação e limites. O território conquistado e batizado pelo nome de Ceará é definido como um troféu conquistado e nação de um só povo.
Toda esta descrição é feita para contextualizar a Lagoa Encantada, Cenário do território da Vila do Aquiraz onde ocorrerá o encontro entre o Ouvidor Antônio Loureiro de Medeiros e a mítica figura da índia Messejana.
Absorto na contemplação da referida lagoa, o Ouvidor Loureiro é surpreendido pela aparição da centenária indígena que, a princípio, pareceu-lhe muito mais um espectro daquelas matas do que um ser humano.
A primeira descrição da nativa mostra toda a estranheza do colonizador ante a alteridade da índia:
"Esbranquiçados cabellos, estirados como as cerdas do Javali, pendião - lhe da cabeça até a cinta; e o corpo vergado, fasendo-os cahir sobre a fronte, deixava ver nelles uma toalha branca meio esfumada, que lhe envolvia o rosto.
O resto do corpo era coberto por uma saia curta tecida de penas de pássaros, preza as costelas ocultando-lhe as mamas, e sustentada por duas largas embiras, que enlaçavão os hombros: as espaduas e os braços estavam nús".
Neste primeiro momento a figura da nativa idosa, encurvada e seminua é mítica e anacrônica, símbolo de uma era anterior à criação da "Nação Brasileira", marcada pela "selvageria", por "elementos diabólicos e pagãos".
A reação do ouvidor a esta figura que se lhe aproxima com passos firmes e ligeiros, e lhe dirige a palavra em fluente português é sacar da bainha um punhal, para indicar a distãncia que esta deveria ficar dele.
Por seu turno, a resposta da índia descrevendo as armas e os "soldados" que lhe guardavam, no discurso nacionalista do texto, longe de ser uma descrição da Alteridade do povo Tabajara, é um conjunto de figuras de linguagem utilizado para dizer ao colonizador que a "Nação Brasileira" tem condições de reagir ás ofensas portuguesas e de caminhar sem os auspícios de Portugal.
Ameaçado pela possibilidade de ser alvejado por flechas, Loureiro escuta Messejana que, inicia seu discurso de heroína nacionalista rememorando a dor de Antônio Felipe Camarão, em seu leito de morte, ao perceber que apoiara a um conquistador que traíra seu povo e a muitos outros povos indígenas submetendo-os à escravidão.
Emocionada em certa altura do discurso, a índia solta um grito de dor em meio a convulsivo pranto que, assustando o Ouvidor, leva-o a novamente sacar o punhal e a ser surpreendido com o disparo de flechas que caindo entrecruzadas servem de arrimo á índia.
Estava provado o que a índia dissera ao Ouvidor no início do encontro e, o sentido do gesto das flechas entrecruzadas tem seu sentido ampliado na fala nobre e profética que o autor atribui á personagem:
"Neste momento, senhor, eu sou a imagem da Pátria, que acabrunhada de opressões, reage contra ti, que symbolisas o poder... "
"O espetaculo que ora se dá, será reproduzido no futuro: Um grito, como o que se exahlou do meu peito, arrebatará este Paiz às garras de Portugal!...a nação abatida se erguerá!...As suas armas assustarão o despotismo, e a libreddade assumirá os seus direitos."
A nobreza da fala da índia reflete um dos objetivos da corrente do romantismo da época: A BUSCA DE UM HERÓI NACIONAL, que seja o símbolo de uma nação independente e única.
A parte seguinte à esta tem como fio condutor a idéia de que "o homem não é propriedade do homem."
A defesa da liberdade, que "sai da boca" da heroína do folhetim não é um mero desenvolvimento de uma idéia reproduzida a partir de algo que o Autor aprendeu na Faculdade de Direito do Recife.
José Mendes Pereira, como advogado e deputado provincial, particpou de vários momentos da campanha abolicionista cearense. Um dos mais importantes foi aquele onde, propondo uma emenda ao Projeto de Lei do Deputado Raimundo Carlos da silva Peixoto, consegue que este seja aprovado, elevando o valor da taxa de exportação de escaravos, conforme relata Raimundo Girão em seu livro A Abolição no Ceará.
Logo, o discurso sobre a liberdado proclamado por Messejana, foi elaborado neste contexto e com o propósito de apoiar o movimento para derrubar o sistema escravocrata: um dos pilares do Império de Dom pedro II.
Acreditamos que os folhetins não eram destoantes dos artigos publicados no Jornal. Studart Filho, em biografia do Dr José Mendes Publicada em seu dicionário Bio - bibliográfico cearense, afirma que o mesmo utilizou o jornal como instrumento de libertação dos escravos da cidade.
Porém, neste capítulo, os exemplos de agressão á liberdade são referentes aos indígenas muito mais por uma questão de preservação da imagem de um cidadão brasileiro que está sendo construída do que dos índios em si mesmos, com suas identidades: Tabajara,Calabaça, Cariú, etc.
As entrelinhas deste argumento final trazem a seguinte idéia: não se pode construir uma nação com indivíduos autênticos sob a mancha da escravidão que é uma ameaça à sua soberania.
Messejana proclama todo este discurso ao Ouvidor Loureiro por acreditar ser o mesmo homem de bons propósitos e capaz de promover a luta por liberdade que ela lhe surgeriu.
Para atestar ao Ouvidor, esperado e escolhido entre tantos, que era "criatura evoluída" e possuídora de bons propósitos, afirma ser "cearense" e "cristã".
Estas afirmações foram a senha necessária para que o Ouvidor, dali em diante mais tranqüilo, aceitasse acolher o segundo propósito da índia: entregar-lhe um depósito (espécie de pequena urna feita de uma cabaça e atada com fios de fibra vegetal)que o tio - avô Dom Felipe Camarão pediu que fosse entregue em mãos de um ouvidor de boa índole.
As entrelinhas nos comprovam que nem a índia e tampouco o Ouvidor sabiam que ali estava um manuscrito de Frei Cristóvão de Lisboa, sobre o qual falaremos mais adiante.
sábado, 19 de novembro de 2011
149° de Santana
POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DO 149º ANIVERSÁRIO DE EMANCIAPAÇÃO POLÍTICA DE SANTANA DO ACARAÚ, FOI CELEBRADA UMA MISSA NO DIA 3 DE NOVEMBRO, PRESIDIDA PELO PADRE RENATO WELTON F. BÔTO.
O MESMO PROFERIU UMA HOMILIA QUE CONSIDERAMOS PROFUNDA, NORTEADORA E NECESSÁRIA PARA SE PENSAR OS CAMINHOS DOS PRÓXIMOS ANOS DE EXISTÊNCIA DA CIDADE.
ATENDENDO O NOSSO PEDIDO ELE A TRANSCREVEU PARA NÓS E NOS PERMITIU AQUI PUBLICÁ-LA
O então povoado Santana do Olho d’Água logo após ter sido elevado à categoria de Vila por determinação da Lei nº 1.012 de 03 de novembro de 1862; tendo instalada em 27 de junho de 1863 a sua primeira legislatura, recebeu o título de Município com a Lei nº 1.740 de 30 de agosto de 1876, demoninado-se assim Santana.
Obviamente uma história assim tão antiga e rica é impossível de ser transmitida em poucas linhas e não é o caso de o fazermos, pois nos falta de um lado, seja a competência para tanto bem, como – um traço distinto neste momento, diria – a pertença quanto à origem a esta terra. Por isto mesmo nos detemos à parte e, de um modo simples, lançamos um pequeno olhar visionário à história de um berço de gente que hoje completa cento e quarenta e nove anos de existência. E para tanto gostaríamos de partir das origens. Não das origens desta terra, desta cidade, mas das origens do próprio conceito de cidade e, consequentemente, do povo que a compõem.
Bem se sabe que nossa ideia de cidade tem sua origem na concepção grega da assim chamada Polis, palavra da qual deriva Popolus, isto é, uma reunião, conjunto de pessoas. Polis, populus, persona, ou seja, pessoa; é esta a parte indivisível que encontramos na origem de uma cidade, de um povo, a pessoa. À esta pessoa – ou conjunto delas – se atribui o Múnus, as prerrogativas, o poder que nos leva consequentemente a uma outra palavra importante, Município, lugar onde os cidadãos exercem seus poderes e funções em prol do lugar onde vivem.
O grande filósofo grego, Aristóteles (384-322 a.C.) já afirmou em uma de suas obras que “o homem é um animal político por natureza”; ou seja, é próprio do caráter humano a capacidade de interagir uns com os outros criando meios e modos com os quais governa e estabelece uma relação com o meio onde vive. Vale lembrar, porém, que na cultura grega a participação da vida política da chamada polis era restrita e permitida somente a algumas categorias de pessoas, ficando excluídos, por exemplo, os escravos, mulheres, crianças, anciãos, etc. O mais importante a se saber é que no centro da chamada política encontrava-se o homem – mesmo que isso significasse apenas algumas categorias! O homem, a pessoa, era o centro dessa vida política e, em torno dela, a polis deveria estabelcer seus meios.
A democracia – outro legado da cultura grega – tem como base exatamente a participação de todos num processo ligado ao bem estar de cada um dos indivíduos da polis, da cidade. A elevação e a promoção da polis significava ao mesmo tempo a elevação e promoção do homem. A identificação de tal fato era tão real que muitos dos grandes pensadores da história tornaram-se imortais graças, também, ao nome dos lugares de onde provinham e que os identificavam diretamente com a sua terra: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Parmênides de Eléia, Eratóstenes de Cirenia, etc.
Já a concepção pós-moderna da polis, da cidade, possui básica e fundamentalmente três aspectos: econômico, ideológico e político. Com a chegada da modernidade e dos grandes meios de produção e geração de lucro, que se deu particularmente a partir da Revolução Industrial, o centro da história passou a ser o próprio capital e não mais o homem. Já não era mais o lucro em função do homem, mas o contrário e, tal descentralização, causou a alienação do próprio homem, pois a economia, o lucro, passou a ser a grande roda que faz girar o mundo.
A ideologia que marca o centro de cada poder econômico tornou-se a religião dominante, centrada não em Deus, mas nas próprias vantagens do sistema.
E, por fim, a política corrompeu-se deixando de lado a sua maior função, o bem estar do homem, para transformar-se numa engrenagem de métodos com os quais se deseja obter os bens almejados, manteve a distância de classes e continuou distanciando-se daquele que é o seu cuidado primeiro: o ser humano.
O resultado de todo esse processo nós o sentimos e vemos no nosso quotidiano, basta ligarmos a televisão. Trata-se de uma realidade que atinge todo lugar civilizado. E não é diferente na nossa realidade santanense. O homem, infelizmente, tem sido vítima sempre mais de um sistema que, uma vez nascido para ele, agora procura abortá-lo. É preciso haver um resgate.
Hoje celebramos não somente os cento e quarenta e nove anos de história política – e religiosa – de Santana do Acaraú. Celebramos hoje os cento e quarenta e nove anos de milhares e milhares de histórias, de milhares e milhares de pessoas que formaram e formam a história deste lugar. São eles indivíduos ilustres e anônimos, sobretudo anônimos. Ilustres como seus primeiros legisladores, políticos, deputados, prefeitos, vereadores, doutrores, padres – dos quais citamos simplesmente um, Pe. Antônio Tomás, o príncipe dos poetas cearenses. Não o citamos somente por ser um padre, mas porque – e acima de tudo, e talvez mesmo por isso – entendeu mais do que ninguém a matéria da qual o homem era formado, uma realidade terrena e divina. Dentre tantos outros nomes ilustres existem aqueles que destacam-se pelo ilustre anonimato. São eles tantos Josés, tantas Marias, tantos Antônios, tantas Antônias, Franciscos, Franciscas, Socorros, Anas, Joãos, etc., cada um, autor de sua própria história escondida dentro desses quase cento e cinquenta anos e quem sem dúvida preenchem os espaçoes brancos dos livros históricos que não registram seus nomes.
Dizer-se santanense é já professar o seu lugar, é já professar a sua fé e a sua identidade, pois esta mesma cidade, mais do que administrativamente fundada, cresceu e ganhou vida no seio de outra realidade que era presente nesta terra a bem mais de centro e quarenta e nove anos, isto é, a fé! Santana é filha da mais autêntica e original fé católica e por ela vidas foram sacrificadas. Por isso mesmo é salutar lembrar hoje na solenidade de tal recorrência civil que Santana traz em si, antes de tudo, não uma história política, mas religiosa, pois foi de uma simples capelinha dedicada à mãe da Mãe de Jesus que surgiu a cidade hoje celebrada. Ignorar este fato é ignorar a própria história. Não conhecer nossa origem histórica é já o princípio da extinção e da própria existência humana e o fim de todas as demais memórias.
No Evangelho que proclamamos (Jo 17) vimos a conhecida oração pela unidade proferida por Jesus. Nela emerge um profundo desejo do Cristo: que todos sejam um, como Ele e o Pai são um.
Pois bem, reconhecer-se membros de uma mesma realidade religiosa e civil é reconhecer-se numa unidade que nos acumuna: nossa terra, nosso chão, nossa cidade, nossa gente, nossas histórias.
Santana, como inúmeras outras cidades no nosso Brasil, do nosso Nordeste e do nosso Ceará, é vítima de tantas mazelas sociais e de tantas diferenças. Mas é preciso reconhecer também tantos méritos. Santana está dentre as maiores cidades brasileiras que mais possuem universitários, que mais formam médicos, professores e outros profissionais nas mais variadas areas. Possui uma lista imensa de nomes ilutres que desfilam nos mais variados setores da vida pública, mas é verdade também que talvez tanta história e tanta riqueza esteja se perdendo nos meandros da ignorância e do esquecimento e na falta do devido valor a que se deve atribuir tamanha riqueza.
Somos chamados hoje, celebrando uma data tão importante, a resgatarmos juntos todo um arsenal de capítulos dessa história que talvez há tanto tempo já se tenha esquecido. Somos chamados a resgatarmos a unidade do povo para constituir novamente uma identidade ainda mais forte, dinâmica e concreta a fim de que a cidade se reconheça em cada um de seus filhos e que em cada um de seus filhos a cidade seja reconhecida, superar diferenças e somar forças para nos reconhecermos todos membros de uma mesma origem. Porque lá onde estará um santanense estará a própria Santana. O homem é a sua terra, o seu berço, pois sempre quando se eleva o homem há também de elevar-se a sua terra, o seu chão, a sua casa.
Parabéns, Santana do Acaraú.
O MESMO PROFERIU UMA HOMILIA QUE CONSIDERAMOS PROFUNDA, NORTEADORA E NECESSÁRIA PARA SE PENSAR OS CAMINHOS DOS PRÓXIMOS ANOS DE EXISTÊNCIA DA CIDADE.
ATENDENDO O NOSSO PEDIDO ELE A TRANSCREVEU PARA NÓS E NOS PERMITIU AQUI PUBLICÁ-LA
O então povoado Santana do Olho d’Água logo após ter sido elevado à categoria de Vila por determinação da Lei nº 1.012 de 03 de novembro de 1862; tendo instalada em 27 de junho de 1863 a sua primeira legislatura, recebeu o título de Município com a Lei nº 1.740 de 30 de agosto de 1876, demoninado-se assim Santana.
Obviamente uma história assim tão antiga e rica é impossível de ser transmitida em poucas linhas e não é o caso de o fazermos, pois nos falta de um lado, seja a competência para tanto bem, como – um traço distinto neste momento, diria – a pertença quanto à origem a esta terra. Por isto mesmo nos detemos à parte e, de um modo simples, lançamos um pequeno olhar visionário à história de um berço de gente que hoje completa cento e quarenta e nove anos de existência. E para tanto gostaríamos de partir das origens. Não das origens desta terra, desta cidade, mas das origens do próprio conceito de cidade e, consequentemente, do povo que a compõem.
Bem se sabe que nossa ideia de cidade tem sua origem na concepção grega da assim chamada Polis, palavra da qual deriva Popolus, isto é, uma reunião, conjunto de pessoas. Polis, populus, persona, ou seja, pessoa; é esta a parte indivisível que encontramos na origem de uma cidade, de um povo, a pessoa. À esta pessoa – ou conjunto delas – se atribui o Múnus, as prerrogativas, o poder que nos leva consequentemente a uma outra palavra importante, Município, lugar onde os cidadãos exercem seus poderes e funções em prol do lugar onde vivem.
O grande filósofo grego, Aristóteles (384-322 a.C.) já afirmou em uma de suas obras que “o homem é um animal político por natureza”; ou seja, é próprio do caráter humano a capacidade de interagir uns com os outros criando meios e modos com os quais governa e estabelece uma relação com o meio onde vive. Vale lembrar, porém, que na cultura grega a participação da vida política da chamada polis era restrita e permitida somente a algumas categorias de pessoas, ficando excluídos, por exemplo, os escravos, mulheres, crianças, anciãos, etc. O mais importante a se saber é que no centro da chamada política encontrava-se o homem – mesmo que isso significasse apenas algumas categorias! O homem, a pessoa, era o centro dessa vida política e, em torno dela, a polis deveria estabelcer seus meios.
A democracia – outro legado da cultura grega – tem como base exatamente a participação de todos num processo ligado ao bem estar de cada um dos indivíduos da polis, da cidade. A elevação e a promoção da polis significava ao mesmo tempo a elevação e promoção do homem. A identificação de tal fato era tão real que muitos dos grandes pensadores da história tornaram-se imortais graças, também, ao nome dos lugares de onde provinham e que os identificavam diretamente com a sua terra: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Parmênides de Eléia, Eratóstenes de Cirenia, etc.
Já a concepção pós-moderna da polis, da cidade, possui básica e fundamentalmente três aspectos: econômico, ideológico e político. Com a chegada da modernidade e dos grandes meios de produção e geração de lucro, que se deu particularmente a partir da Revolução Industrial, o centro da história passou a ser o próprio capital e não mais o homem. Já não era mais o lucro em função do homem, mas o contrário e, tal descentralização, causou a alienação do próprio homem, pois a economia, o lucro, passou a ser a grande roda que faz girar o mundo.
A ideologia que marca o centro de cada poder econômico tornou-se a religião dominante, centrada não em Deus, mas nas próprias vantagens do sistema.
E, por fim, a política corrompeu-se deixando de lado a sua maior função, o bem estar do homem, para transformar-se numa engrenagem de métodos com os quais se deseja obter os bens almejados, manteve a distância de classes e continuou distanciando-se daquele que é o seu cuidado primeiro: o ser humano.
O resultado de todo esse processo nós o sentimos e vemos no nosso quotidiano, basta ligarmos a televisão. Trata-se de uma realidade que atinge todo lugar civilizado. E não é diferente na nossa realidade santanense. O homem, infelizmente, tem sido vítima sempre mais de um sistema que, uma vez nascido para ele, agora procura abortá-lo. É preciso haver um resgate.
Hoje celebramos não somente os cento e quarenta e nove anos de história política – e religiosa – de Santana do Acaraú. Celebramos hoje os cento e quarenta e nove anos de milhares e milhares de histórias, de milhares e milhares de pessoas que formaram e formam a história deste lugar. São eles indivíduos ilustres e anônimos, sobretudo anônimos. Ilustres como seus primeiros legisladores, políticos, deputados, prefeitos, vereadores, doutrores, padres – dos quais citamos simplesmente um, Pe. Antônio Tomás, o príncipe dos poetas cearenses. Não o citamos somente por ser um padre, mas porque – e acima de tudo, e talvez mesmo por isso – entendeu mais do que ninguém a matéria da qual o homem era formado, uma realidade terrena e divina. Dentre tantos outros nomes ilustres existem aqueles que destacam-se pelo ilustre anonimato. São eles tantos Josés, tantas Marias, tantos Antônios, tantas Antônias, Franciscos, Franciscas, Socorros, Anas, Joãos, etc., cada um, autor de sua própria história escondida dentro desses quase cento e cinquenta anos e quem sem dúvida preenchem os espaçoes brancos dos livros históricos que não registram seus nomes.
Dizer-se santanense é já professar o seu lugar, é já professar a sua fé e a sua identidade, pois esta mesma cidade, mais do que administrativamente fundada, cresceu e ganhou vida no seio de outra realidade que era presente nesta terra a bem mais de centro e quarenta e nove anos, isto é, a fé! Santana é filha da mais autêntica e original fé católica e por ela vidas foram sacrificadas. Por isso mesmo é salutar lembrar hoje na solenidade de tal recorrência civil que Santana traz em si, antes de tudo, não uma história política, mas religiosa, pois foi de uma simples capelinha dedicada à mãe da Mãe de Jesus que surgiu a cidade hoje celebrada. Ignorar este fato é ignorar a própria história. Não conhecer nossa origem histórica é já o princípio da extinção e da própria existência humana e o fim de todas as demais memórias.
No Evangelho que proclamamos (Jo 17) vimos a conhecida oração pela unidade proferida por Jesus. Nela emerge um profundo desejo do Cristo: que todos sejam um, como Ele e o Pai são um.
Pois bem, reconhecer-se membros de uma mesma realidade religiosa e civil é reconhecer-se numa unidade que nos acumuna: nossa terra, nosso chão, nossa cidade, nossa gente, nossas histórias.
Santana, como inúmeras outras cidades no nosso Brasil, do nosso Nordeste e do nosso Ceará, é vítima de tantas mazelas sociais e de tantas diferenças. Mas é preciso reconhecer também tantos méritos. Santana está dentre as maiores cidades brasileiras que mais possuem universitários, que mais formam médicos, professores e outros profissionais nas mais variadas areas. Possui uma lista imensa de nomes ilutres que desfilam nos mais variados setores da vida pública, mas é verdade também que talvez tanta história e tanta riqueza esteja se perdendo nos meandros da ignorância e do esquecimento e na falta do devido valor a que se deve atribuir tamanha riqueza.
Somos chamados hoje, celebrando uma data tão importante, a resgatarmos juntos todo um arsenal de capítulos dessa história que talvez há tanto tempo já se tenha esquecido. Somos chamados a resgatarmos a unidade do povo para constituir novamente uma identidade ainda mais forte, dinâmica e concreta a fim de que a cidade se reconheça em cada um de seus filhos e que em cada um de seus filhos a cidade seja reconhecida, superar diferenças e somar forças para nos reconhecermos todos membros de uma mesma origem. Porque lá onde estará um santanense estará a própria Santana. O homem é a sua terra, o seu berço, pois sempre quando se eleva o homem há também de elevar-se a sua terra, o seu chão, a sua casa.
Parabéns, Santana do Acaraú.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
CENTRO DE ARTES, ESPORTES E CULTURA - CAEC E MEMORIAL DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA SANTANA: DOIS BRAÇOS DE UMA MESMA LUTA
Buscando cumprir a vontade de Cristo de favorecer que os filhos de Deus tenham vida e vida em abundância, a Paróquia de Nossa Senhora Santana criou neste ano uma Associação Comunitária que tem por objetivo proporcionar às crianças de bairros carentes da cidade de Santana do Acaraú momentos educativos através da arte, do esporte e da cultura: O Centro de Artes, Esportes e Cultura da Paróquia de Nossa Senhora Santana - CAEC.
SALA DA CASA AMARELA ONDE AS CRIANÇAS TÊM AS AULAS DE MÚSICA
Situado no Bairro do Jericó, numa casa conhecida como Casa Amarela,o CAEC, por enquanto, somente oferta aulas de música: violão, flauta e canto e, tendo o Memorial da Paróquia de Nossa Senhora Santana como parte de seu projeto de oferecer outras oportunidades de aprendizado, proporciona às crianças aulas de educação patrimonial, de aprendizado da história local, para construção do conhecimento da Cultura Santanense, de uma identidade e autonomia.
Ambos os projetos ainda dão passos iniciais e incipientes, mas alguns frutos mostram que o povo Santanense é dono de um grande potencial para as artes e tem interesse em conhecer sua história e identidade.
O Vídeo acima, que retrata uma das apresentações dos corais de flautas e de vozes na Igreja Matriz da cidade; e as fotos, exemplificam o que dissemos:
CRIANÇAS DO CAEC NA PRELEÇÃO ANTES DA VISITA AO MEMORIAL - SOBRADO PADRE ARAKÉN
MOMENTO DA VISITA À PRIMEIRA SALA DO MEMORIAL
DIANTE DO PAINEL DE FOTOS ANTIGAS DA CIDADE NA SEGUNDA SALA
domingo, 13 de novembro de 2011
O MUNICÍPIO DE SANT'ANNA: CAPÍTULO I O DEPÓSITO
Corria o anno de 1729
Era Capitão - Mór do Ceará João Baptista Furtado, e Ouvidor - Antônio Loureiro de Medeiros.____ Só duas Villas existião, só duas câmaras funcionavão na capitania __ a do Aquirás e a de Fortaleza!
Magnanimos esforços, cruentas pelejas precederão a este acontecimento!
O programa era vencer, apoderar-se do Paiz; mas a pervesidade, com o intuito na ganancia, empalideceo os feitos que podião enobrecer seus autores!...
A princípio o Ceará, bravo como um leão, ao sujeitar-se ao poder estrangeiro, lutou com heroismo! Depois porém... arrazada a sua muralha constituida nos largos e possantes peitos de seus filhos, uns estrangulados e outros redusidos a escravidão, vencido... humilde como um cordeiro, entregou-se aos braços do vencedor!
Livre, portanto, dessas cenas sangrentas, que por muitos annos o enlutaram o Ceará começou a florescer; e os seus pontos prinipaes, bem conhecidos, já erão mais ou menos povoados na epocha, a que nos referimos. e foi então que se sotentou com todos so seus encantos aos olhos do observador, que em extase admirava a magnificencia do solo e a fertilidade de sua vegetação!
Seculares e gigantescas árvores, que constituião uma mata espessa e cerrada, cobrião o seu território, apenas interceptado aqui e alli por taboleiros e varzeas, largos e espaçosos campos de pingues pastagens.
Situado em um terreno geralmente desigual, cuja face, baixa e quazi alagada na costa, se eleva, gradualmente, até a cordilheira da Ibiapaba, à 3000 pés acima do nível do mar, cortva-se de diversos rios que, contorneando uma infinidade de serrotes e outeiros distanciados, rolavão por longas voltas suas volumosas águas, que ião receber as areias da praia.
Altas e majestosas serras se erguião às alturas os seus alcantilados e verdejantes picos, como que procurando nas regiões aéreas absorver o frescor das vaporosas emanações de suas crystalinas águas, que me largos e prateados fios, deslisando de suas fontes pela sinerosidade das penedias, corrião precipitadas até as vicejantes planícies.
O solo, que havia descançado por quatro annos, preterido no seu desenvolvimento, desde 1724 até 1728, pela deveastadora secca, que lhe fechára os povos, refizera de força na estação invernosa de 1729; e os germens, que cuidadosamente encerrava no seu seio, rebentavão com visível impetuosidade!
Prodigioso, magnifico e encantador era o quadro que se estendia ante os olhos do vencedor! Bem vasto era o horisonte dos seus dominios! largo círculo limitava o terreno conquistado:Ao N. e N.E.o atlântico; a L, a capitania do Rio Grande do Norte; ao S. as da Parahyba e Pernambuco,ao O. o Piauhy pela serra Ibiapaba!..
O mez de Junho percorria os gráos da escala traçada pelo calendário: o dia 21 se ostentava radiante de beleza!
a atmosphera limpida, sob o céo azul, dava e livre e desembaraçada passagem aos raios do sol; que, cahindo obliquamente sobre verde manto que envolvia a terra, banhavão de luz os gigantesvos picos da serrania, esmaltando-os com as variadas cores do Iris, e prateando os campos ainda ensopados do orvalho matutino!
Erão 7 horas da manhã.
Phebo, radiante de luz, começava a obra maravilhosa de seus encantos: e a terra sob o seu pesado manto, como a pudibunda noiva que se deixa vestir por mão alheia, sedenta de luxo, permanecia placida e silenciosaante o astro rei, que se erguendo no horisonte, fazia refulgir sua belleza occulta nas densas sombras ods seus profundos valles.
Permita-nos o leitor uma ligeira interrupção, indispensavel ao fio da nossa história.
Existia nesse tempo uma lagoa sem nome, nos campos da villa do Aquirás.
Notavel por sua extensão e largura, seguras as suas águas, tornou-se, embora um pouco distante da Villa, a fonte de banhos que se dizião salutares; era, além disto fertil de caças de todo o genero, e por esta e aquella razão muito frequentada pleos altos personagens da capitania, que chegando a capitania lhe tributavão - lhe as hoenagens de uma visita.
Colloque-se pois, o leitor a margem desa importante lagôa, onde apreciando o quadro que descrevemos, assistirá com nosco nesse humido palco, que tem por scenario profundas selvas e por musica o doce trinado dos lindos passaros, ao primeiro acto de nossa historia.
Tudo era silâncio na hora que indicamos!...
Os pássaros, que haviam terminados seus melodiosos gorgeios, pousavão nos ramos das frondosas árvores, abrindo as azas ao calor do sol, e as aves aquáticas ainda ensopadas, sacudindo as penas de cores multiplas, formavão em torno dessa lagôa um largo círculo onde, descuidosas, tiravão do peito o oleoso succo, que o cahto bico untavão o corpo.
A natureza, como pralizada naquella hora, eausta de tão supremo esforço, apenas respirava, emitindo no seu hálito odoríferos efluvios, que nas zazas da tenue e branda viração perfumavão o ambiente.
Tudo era silêncio; quando de repente o estrepido das patas de um cavallo, que galopva sobre as ondulções de um terreno pedregoso, veio despertar a vida naquela solidão!... Um cavaleiro apontou por uma verêda, que se dirigia àquella lagôa, e atraz delle outro, guardando uma certa distancia. O primeiro, Antonio de Loureiro Medeiros, Ouvidor da capitania; e o segundo João de Medeiros Loureiro, que com elle privava.
O repentino apparecimento daquelles cavalleiros produzio alli completa transformação.
Os passaros, como que assustados, saltando de ramo em ramo sumindo se uns e aparecendo outros soltavão notas que, na multiplicidade do genero, fasião, harmonisadas um concerto admiravel e encantador.E as aves aquaticas, emquanto umas se lançavão n'agua, mergulhando aqui e saindo alli, faceiras estremecião as azas, como que rindo do susto que tomarão, outra com estrepitoso voejar, suspendendo-se em bandos de variadas especies, formavão no ar uma densa nuvem remoinhando sobre o pouso sem quere deixá-lo.
O ouvidor apriximou-se da lagôa, e apeiando-se, esperou pelo companheiro, a quem atirou as redeas de seu cavallo...
Antonio de Loureiro Medeiros, nomeado Ouvidor da capitania do Ceará, della havia tomado posse a 2 de Junho desse mesmo anno, 19 dias antes dos factos a que alludimos, e desejando conhecer os principaes pontos da sua jurisdição, tinha emprehendido visita-los.
Nesse sentido, partindo de Fortaleza, se achava no Aquirás. Foi alli que soube do refrigerante banho dessa lagôa; e, como era das etiquêtas, quiz vel-a, e purificar-se nella da languidez, que padecia.
João de Medeiros, ja conhecedor daquella paragem foi o seu guia.
Eil-os portanto no ponto em que os vimos chegar.
Loureiro, pois, de braços cruzados, em posição contemplativa, prestva séria attenção ao imprevisto quadro que se lhe antolhava!...Homem ambicioso e de imaginação aprehensiva, roloando-lhe no cerebro mil pensamentos diversos, prorrompeu nestas palavras: - << Portugal não foi debalde que as tuas armas embora os milhares de bravos que perdeste, conquistarão tão gigantesco Paiz!! Que selvas, que serras, que portentosa vegetação!!! Mas o que vejo?! Terei ante os olhos a celebre Fada - Morgana do Estreito de Messina?! E de feito, aquella bacia forrada de argentea lamina, tendo por tecto a movediça nuvem de milhares d'aves, que ali pairavão, e por paredes as gigantescas árvores, que em arcadas se lhe estendião em torno, forma naquelle momento uma paisagem que, recordando antigos contos offerecia aos olhos uma habitação de Fadas!... Fatigado, o Ouvidor sentou-se sobre um tronco à beira d'água. A idéia de um thesouro o preocupava!João de Medeiros perto delle mudo e quêdo, tinha pelas redeas os dois cavallos. Aquelle silencio augmentava a sua pertubação... ia, pois, quebral -o, quando de subito estremecendo, de um salto se poz de pé!! Tão inesperado movimento espantou as cavalgaduras; e uma dellas, tomando as redeas, deitou a fugir. João de medeiros poz -se -lhe no encalço; e o Ouvidor ficára só... Não se tinha enganado... Uma voz que parecia de um Moribundo no estertor da morte, soou-lhe de novo aos ouvidos: - Serás tu o hoeme que eu procuro!... e abrindo - se uma mouta tecida de trepadeiras, entre as quais o maracujá fazia brilhar as suas encantadoras corollas;appareceo o busto de uma creatura, cujo aspecto mais tinha de uma visão, do que de um ser humano! Loureiro amendrotado recuou alguns passos, balbuciando estas palavras: É encanatad esta lagoa!... A sua imaginação, povoada de pensamentos desencontrados, o encaminhava à crenças superticiosas! - Si aquilo não era uma esphinge, que vinha prognosti - sar lhe na sua estréa um futuro desastroso, era decididamente a Mãi d'Água, senhora daquelle palacio que vinha saborear-lhe o sangue!... So, quiz correr; porem aquella vizão, movendo-lhe no ar um objecto que tinha na mão, fel-o deter. A ambição estacou-lhe o passo. Raugou se então a mouta, estalando os cipós que a emaranhavam, e o vulto de uma creatura, que parecia mulher, surgio daquelle alcatifado recinto. Esbranquiçados cabellos, estirados como as cerdas do Javali, pendião - lhe da cabeça até a cinta; e o corpo vergado, fasendo-os cahir sobre a fronte, deixava ver nelles uma toalha branca meio esfumada, que lhe envolvia o rosto. O resto do corpo era coberto por uma saia curta tecida de penas de pássaros, preza as costelas ocultando-lhe as mamas, e sustentada por duas largas embiras, que enlaçvão os hombros: as espaduas e os braços estavam nús. O andar, entretanto, era ligeiro!...poucos passos deu para aproximar-se do Ouvidor, que recebeu-a de punhal na mão! - Senhor, desculpai a pobre india que infeliz na sua vida, tem hoje a dita de vos fallar. O Ouvidor encolheo os hombros,indicando com a ponta de seu punhal a distancia, que os devia separar... A india comprehendeo naquella resposta muda, naquelle gesto ameaçador o que se passava na mente do Ouvidor; e apesar da sau longevidade, como que reanimando-se em frente do perigo, reunio todas as suas forças, sacodio para traz os cabelos que lhe cobrião o rosto, e, empertigada, retorquio lhe em termos pouzados e energicos: Guarada Senhor a tua lamina... Mais ligeiro nem mais valente serás do que o Juguar!...E elle, neste momento, cahiria com o coração atravessado por duas flechas, antes que sobre pousasse as garras... Na matta quatro olhos que não pestanejão, se fixão sobre o teu corpo...Dois arcos possantes ja se entesão sobre suas flechas; e terás a mesma sorte do Jaguar, se por ventura não te mostrares cavalheiro em presença de uma mulher velha inoffensiva! Diante de ti tenho apenas uma missão - cumprir a disposição de ultima vontade de um guerreiro, que pelejou pelo teu rei. Ouve, pois,a minha história que talvez te possa interessar... O conselho pareceo calar no animo do Ouvidor, pois que occultando o punhal, bondoso declarou que estava , às ordens de sua interlocutôra... Um profundo suspiro, que escapou do peito da india, foi o preludio da sua história, que começou assim: "No anno de 1648, a 24 de agosto, quando nos arraiaes dos Pernambuccanos o prazer transbordava nos caorações pela derrota do exercito do general Segismundo, na baalha dos Guapápes; quando um reforço de 400 homens, ao mando de Figuerôa, por ordem do governador geral se reunia aos guerreiros da minha e da tua raça para fortificar os terços, que sitiavão, no Recife, aquelle pirata Hollandez; quando tudo era alegria, porque parecia aproximar-se o temo de uma luta, que à 18 annos bebeu o sangue humano como o mar as aguas das fontes, uma dor profunda veio empalidecer os rostos dos combatentes Portuguezes, e amargurar a existencia dos indios Tabayares..." "Na matta, onde os sitiates havião levantado suas tendas, em um leito de palhas sob a frondosa copa de uma arvore, que lhe servia de cortinado, um homem, um heroe exhalava seu derradeiro alento." "Esse homem, Senhor, era Antonio Felipe Camamrão, o gurreiro afamado do seu tempo, cujos relevantes serviços forão considerados pelo teu soberano, que em 1635, lhe conferio o titlo de Dom, que ornava o seu nome, e o habito da Ordem de Christo, que lhe pendia do peito!..." "Aquella dor, Senhor, foi o resultado da morte desse heróe brasileiro, sob cujos golpes havião cahido milhares de inimigos; sob cuja bravura e lealdade descansavão teus generaes, e prolongavão a vida os especuladores de tua raça..." Taes recordações, naquelle momento, produzirão acerba dor ao coração daquela mulher! A vehemencia das suas ultimas expressões exprimem precizamente o que se passava em sua alma... Ella parou, suffocada pelos soluços que abastava no peito; e aquelle rosto bronzeado, que a velhice havia amortecido, incendiou-se tomando formas assustadoras! Um movimento convulsivofê-la extremecer, e de repente, como se uma vibora a mordesse, avançou dois passos para o Ouvidor... Pozera-se ao seu alcance. Loureiro aturdido, embora visse naquella mulher um espectro, puchou de novo seu punhal... Então um ruído semlehante ao que produz o vôo precipitado da rôla, rapido como o raio, atravessou o espaço e duas flechas, arremessadas de logares oppostos, cahiram, crusadas entre ambos, ficando no chão as suas agudas e farpadas pontas de ferro! Loureiro gelou... O punhal chiu-lhe da mão! e a india, arrimando-se àquellas duas flechas, que lhe suportavão o pezo, derramou copiosas lagrimas...Depois encarando o Ouvidor, e sem considerar aquelle incidente, continuou: "As lágrimas que vistes rolar por estas descarnadas faces, não foram simplesmente o effeito da recordação de um morto querido! Não!...Camarão, o chefe da Tribu Tabajara, já velho e doente devia pagar seu tributo à natureza... Ellas são lavas que o meu coração vomita, escandecido pela traição e cruêzas d'aquelles que, como tu, apossando-se de um paiz que lhes dá riquezas, ludibrião a Nação, escravisando com a mais negra ingratidão os livres filhos das selvas!!! Camamrão, como ue ha pouco, chorou na hora de sua morte, hora suprema, sentindo ter com o seu braço suerguido por vinte vezes o exercito da tua raça, que sucumbia oas golpes Hollandezes!" "E elle tinha pressentimentos; mas na nobreza de sua alma attribuia uma parte das atrocidades de seus alliados às necessidades da guerra! Foi victima de uma illusão!...Neste momento, senhor, eu sou a imagem da Pátria, que acabrunhada de opressões, reage contra ti, que symbolisas o poder... e a india, altiva,, mantendo-se em um certo pá de dignidade magestosa, em tom prophetico acrescentou: O espetaculo que ora se dá, será reproduzido no futuro: Um grito, como o que se exahlou do meu peito, arrebatará este Paiz às garras de Portugal!...a nação abatida se erguerá!...As suas armas assustarão o despotismo, e a libreddade assumirá os seus direitos." "No Sul se levantarão Leões, e no norte os cordeiro se farão heroes. Uma revolução lenta e pacífica fará reconhecer a dignidade do homem, abolindo a escravidão!" Começa, pois, Ouvidor, essa grande obra, naõ consentindo que no território de tua jurisdição o homeme seja propriedade de outrem!...Compulsa o cartório de Orphãos de S. José do Riba-mar, e nelle encontrarás um escândalo que te fará enrubescer as faces!..." "O sargento -mór João da Cunha Lemos, esse juiz deshumano, foi o primeiro que sanccionou nesta capitania a venda do homem, por uma setença firmada de seu punho no dia, sempre execrável, 17 de Agosto de 1719!" "Lê o inventário que se fez, haverá 10 annos, por morte da mulher de Antonio Mendes Loubato, e n'elle verás que entre os gados vacum e cavallar foi descripta uma relação extensa de indios Calabaças e Cariús, que, avaliados a 13$000rs a 30$000 e 55$00 rs. forão partilhados como escravos entre seus herdeiros!! "Não!...Não foi isso que se prometeu a Camarão, que na guerra respondia ao retira-te que lhe cochichavão as balas, com o avante que lhe ditava seu coração leal e corajoso!..." Alguns minutos se passarão em silêncio... Loureiro não descerrava os lábios: era a imagem do réo; confesso, ou antes prisioneiro, que só tinha a esperar da generosidade do vencedor! A índia , porém, passado este momento, adoçando a voz, e com um olhar compassivo prosseguio: Desculpa, Ouvidor, se te peretubei o espírito; a verdade tem suas rudezas, e o offendido nem sempre tem calma para pautar as suas palavras segundo as normas da etiquêta... Naõ estava em mim deixar de exporte o estado de degradação da Pátria, como não estava em mim, relatando-o, deixar de exceder-me nas expressões. Qaundo a dor aturde-nos, na sua vehemencia faltamos, às vezes, as regras do cavalheirismo... Desculpa. E, dizendo isto, a India arrancou as flechas, quebrou-as em quatro pedaços, que sacodio ao fundo da Lagôa; e, voltando-se para o Ouvidor, accrescentou: Estás livre: fica ou parte, como quizeres; mas, eu te suplico, me concedas ainda alguns instantes... Tenho uma missão a cumprir. O Ouvidor respirou, e olhando para o punhal que lhe estava aos pés, mais socegado, respondeo: Fala, mulher, quando quizeres, já te disse - estou as tuas ordens. - Pois bem, escuta: - Eu me chamo Mecejana, sou filha de Diogo Pinheiro Camarão. Nasci no anno de 1626, no dia 21 de Junho, e hoje completo a idade de 103 annos! Meu Avô foi chefe da Aldeia de Mecejana, onde nasci, nome que meu Pai, por grata recordação, m'o deo, em que recebi nas aguas do baptismo no dia 26 do mesmo mez, officiando no Sacramento, Frei Christóvão de Lisboa. Forão meus padrinhos - Martin soares Moreno e N. Senhora Sant'Anna. Sou, pois, cearense; christã... Tranquiliza-te; nada tens que receiar de mim. Estas palavras produzirão um effeito modificador nas aprehensões do Ouvidor... O Sol ja se tinha levantado bastante; e à sua claridade havião desaparecido as sombras, que união as árvores; estas começavão a balançar-se ao poente sopro do vento, que, lhes torcendo as copas, as destacava, levantando nas águas da lagôa pequenas ondulações, que se estendião nas margens, revolvendo o paúl de mistura com branca espuma; e as aves, já cançadas de seu demorado pairar, formando-se em linhas triangulares, desfilavão no espaço, desapparecendo por detraz dos montes. desfizera-se, pois, a miragem que o Ouvidor tinha tinha ante os olhos, concorrendo este cortejo de circumstancias naturaes para desvanece-lo do seu espanto! Elle voltára ao seu estado normal... Via uma simples lagôa e uma mulher que o pezo dos annos recurvara o dorso desfeiando-lhe as formas, mas dando -lhe subido gráo de uma dignidade respeitosa... Envergonhara-se; mas acalmando - se disse: _ Continua, velha respeitavel; eu te ouvirei sem o menor enfado: senta-te sobre aquelle tronco, pois já deve estar cançada. Um sorriso se deslisou nos lábios da India, imaginando naquelle acontecimento que estableceia entre ella e o ouvidor, uma intimidade complacente, a paz futura de ssua Patria, nos termos da prophecia que fizéra. Aceitando, pois, o offerecimento do Ouvidor, sentou-se balbuciando estas palavras: - Um dia, como eu agora, a Patria repousará descansada; a liberdade surgirá;os povos falarão ao Rei, e as suas queixas serão ouvidas, serão attendidas...E numa rápida trnsição continuou desta maneira: - << Sim, Ouvidor, naquelle tempo, quando tudo era alegria, só Camarão gemia no leito da dor, e eu velavca a sua cabeceira! Meu pai, no impedimento daquelle enfermo, assumira o coamndo de seu terço e partira com Jacaúna para o cerco do Recife, aonde os chamavão a honra e o dever. Triste, penosa foi a despedida daquelles tres heroés!... Aquelles homens, cujos rostos nunca se mancharam com a sobra do susto, sntados sobre folhas, no chão, um ao lado do outro, derramarão torrentes de lágrimas! a amisade os reunira, a dor os humilhára; e a separação, oprimindo seus corações, fisera daqueles leões encanecidos tres creanças timidas, affectuosas!... Os seus largos peitos arpavão; mas um só gemido não desprendião!... aquelle silencio exprimia, em hora tão suprema, quanto havia de mais sublime nos corações daquelles três amigos!Afinal Camarão rompeo: << partão, irmãos; o bom guerreiro não se faz esperar! dois sons bem distinctos chegam neste momento aos meus ouvidos - a cornêta que vos chama aos seus postos, e a voz do senhor que me chama ao seu seio>>... E disendo erstas palavras com tom firme, resoluto cobriu o rosto com a ponta de seu felpúdo lenço!...
Os dois amigos comprehenderam a sua intenção naquelle gesto. Levantarão -se silenciosos, apertaram-me nos seus braços, e partiram apressados!
Meia hora depois se descobrio aquelle rosto venerável... Só eu estava alli! Descrevê-lo é impossível; basta dizer que a dor, a mágoa e um profundo sentimento estavão nelle traçados... Sentei -me a seu lado; e a sua voz fraca e debil se fez ouvir - escuta filha: quiz a sorte que eu, no anno de 1611, me aliasse, no Ceará, a um homem a quem dediquei todas as minhas affeições... esse homem era Martin soares Moreno, teu padrinho, amigo de Jacaúna, o teu avô. - Motivos poderosos o fizerão abandonar o Brasil em 1646; e na sua partida, quando o meu coração pulsava sobre o seu, elle me deu um papel para entregá-lo ao Ouvidor daquella capitania, prevenindo-me de que, antes de faze-lo, estudasse o carater e virtude dessa autoridade.
- Ainda me soão aos ouvidos estas doces palavras: - mais confio em ti, Camarão, que no estrangeiro como eu!
- Quando, pois, me vires morto, tira d'aquella moca um cabacinho embutido em fios untados de resina, no qual o guardei, e dá-lhe o destino. Vive e espera o Ouvidor... Elle não respirava mais!! Morreo como o justo; e a sua alma voou ao céo como um arcanjo querido do Senhor... Só! Fiquei no meio das selvas! Eu contava 22 anos de edade...No dia seguinte Jacaúna meu avô apareceu: e sepultado o morto conduziu-me à taba de seus maiores, na Serra do Gabigi, no Rio Grande do Norte.
Alli vivi, e esperei, como mandou Camarão, até que houvesse Ouvidor nesta capitania, para onde parti a 23 de agosto de 1723, quando tomou posse o 1. Ouvidor José Mendes Machado.
O seu caracter, por suas turbulencias, não me inspirou confiança, como também não me inspirou Mathias Ferreira de Carvalho, que inteiramente o substituio!
Esperei ainda e chegaste tú... a minha idade não me permite maior experiência; e já te procuirava, quando o acaso neste logar, que te pareceo encantado, me fez deparar contigo!
Toma, pois, O' Ouvidor, este deposito que, a 81 annos, me foi entregue! elle encerra atlvez um thezouro... sê digno da confiança que me inspiraste... e a India, já de pé, retirou-se ligeira como a córsa, desapparecendo na matta, que se lhe fechou nas costas!
Era Capitão - Mór do Ceará João Baptista Furtado, e Ouvidor - Antônio Loureiro de Medeiros.____ Só duas Villas existião, só duas câmaras funcionavão na capitania __ a do Aquirás e a de Fortaleza!
Magnanimos esforços, cruentas pelejas precederão a este acontecimento!
O programa era vencer, apoderar-se do Paiz; mas a pervesidade, com o intuito na ganancia, empalideceo os feitos que podião enobrecer seus autores!...
A princípio o Ceará, bravo como um leão, ao sujeitar-se ao poder estrangeiro, lutou com heroismo! Depois porém... arrazada a sua muralha constituida nos largos e possantes peitos de seus filhos, uns estrangulados e outros redusidos a escravidão, vencido... humilde como um cordeiro, entregou-se aos braços do vencedor!
Livre, portanto, dessas cenas sangrentas, que por muitos annos o enlutaram o Ceará começou a florescer; e os seus pontos prinipaes, bem conhecidos, já erão mais ou menos povoados na epocha, a que nos referimos. e foi então que se sotentou com todos so seus encantos aos olhos do observador, que em extase admirava a magnificencia do solo e a fertilidade de sua vegetação!
Seculares e gigantescas árvores, que constituião uma mata espessa e cerrada, cobrião o seu território, apenas interceptado aqui e alli por taboleiros e varzeas, largos e espaçosos campos de pingues pastagens.
Situado em um terreno geralmente desigual, cuja face, baixa e quazi alagada na costa, se eleva, gradualmente, até a cordilheira da Ibiapaba, à 3000 pés acima do nível do mar, cortva-se de diversos rios que, contorneando uma infinidade de serrotes e outeiros distanciados, rolavão por longas voltas suas volumosas águas, que ião receber as areias da praia.
Altas e majestosas serras se erguião às alturas os seus alcantilados e verdejantes picos, como que procurando nas regiões aéreas absorver o frescor das vaporosas emanações de suas crystalinas águas, que me largos e prateados fios, deslisando de suas fontes pela sinerosidade das penedias, corrião precipitadas até as vicejantes planícies.
O solo, que havia descançado por quatro annos, preterido no seu desenvolvimento, desde 1724 até 1728, pela deveastadora secca, que lhe fechára os povos, refizera de força na estação invernosa de 1729; e os germens, que cuidadosamente encerrava no seu seio, rebentavão com visível impetuosidade!
Prodigioso, magnifico e encantador era o quadro que se estendia ante os olhos do vencedor! Bem vasto era o horisonte dos seus dominios! largo círculo limitava o terreno conquistado:Ao N. e N.E.o atlântico; a L, a capitania do Rio Grande do Norte; ao S. as da Parahyba e Pernambuco,ao O. o Piauhy pela serra Ibiapaba!..
O mez de Junho percorria os gráos da escala traçada pelo calendário: o dia 21 se ostentava radiante de beleza!
a atmosphera limpida, sob o céo azul, dava e livre e desembaraçada passagem aos raios do sol; que, cahindo obliquamente sobre verde manto que envolvia a terra, banhavão de luz os gigantesvos picos da serrania, esmaltando-os com as variadas cores do Iris, e prateando os campos ainda ensopados do orvalho matutino!
Erão 7 horas da manhã.
Phebo, radiante de luz, começava a obra maravilhosa de seus encantos: e a terra sob o seu pesado manto, como a pudibunda noiva que se deixa vestir por mão alheia, sedenta de luxo, permanecia placida e silenciosaante o astro rei, que se erguendo no horisonte, fazia refulgir sua belleza occulta nas densas sombras ods seus profundos valles.
Permita-nos o leitor uma ligeira interrupção, indispensavel ao fio da nossa história.
Existia nesse tempo uma lagoa sem nome, nos campos da villa do Aquirás.
Notavel por sua extensão e largura, seguras as suas águas, tornou-se, embora um pouco distante da Villa, a fonte de banhos que se dizião salutares; era, além disto fertil de caças de todo o genero, e por esta e aquella razão muito frequentada pleos altos personagens da capitania, que chegando a capitania lhe tributavão - lhe as hoenagens de uma visita.
Colloque-se pois, o leitor a margem desa importante lagôa, onde apreciando o quadro que descrevemos, assistirá com nosco nesse humido palco, que tem por scenario profundas selvas e por musica o doce trinado dos lindos passaros, ao primeiro acto de nossa historia.
Tudo era silâncio na hora que indicamos!...
Os pássaros, que haviam terminados seus melodiosos gorgeios, pousavão nos ramos das frondosas árvores, abrindo as azas ao calor do sol, e as aves aquáticas ainda ensopadas, sacudindo as penas de cores multiplas, formavão em torno dessa lagôa um largo círculo onde, descuidosas, tiravão do peito o oleoso succo, que o cahto bico untavão o corpo.
A natureza, como pralizada naquella hora, eausta de tão supremo esforço, apenas respirava, emitindo no seu hálito odoríferos efluvios, que nas zazas da tenue e branda viração perfumavão o ambiente.
Tudo era silêncio; quando de repente o estrepido das patas de um cavallo, que galopva sobre as ondulções de um terreno pedregoso, veio despertar a vida naquela solidão!... Um cavaleiro apontou por uma verêda, que se dirigia àquella lagôa, e atraz delle outro, guardando uma certa distancia. O primeiro, Antonio de Loureiro Medeiros, Ouvidor da capitania; e o segundo João de Medeiros Loureiro, que com elle privava.
O repentino apparecimento daquelles cavalleiros produzio alli completa transformação.
Os passaros, como que assustados, saltando de ramo em ramo sumindo se uns e aparecendo outros soltavão notas que, na multiplicidade do genero, fasião, harmonisadas um concerto admiravel e encantador.E as aves aquaticas, emquanto umas se lançavão n'agua, mergulhando aqui e saindo alli, faceiras estremecião as azas, como que rindo do susto que tomarão, outra com estrepitoso voejar, suspendendo-se em bandos de variadas especies, formavão no ar uma densa nuvem remoinhando sobre o pouso sem quere deixá-lo.
O ouvidor apriximou-se da lagôa, e apeiando-se, esperou pelo companheiro, a quem atirou as redeas de seu cavallo...
Antonio de Loureiro Medeiros, nomeado Ouvidor da capitania do Ceará, della havia tomado posse a 2 de Junho desse mesmo anno, 19 dias antes dos factos a que alludimos, e desejando conhecer os principaes pontos da sua jurisdição, tinha emprehendido visita-los.
Nesse sentido, partindo de Fortaleza, se achava no Aquirás. Foi alli que soube do refrigerante banho dessa lagôa; e, como era das etiquêtas, quiz vel-a, e purificar-se nella da languidez, que padecia.
João de Medeiros, ja conhecedor daquella paragem foi o seu guia.
Eil-os portanto no ponto em que os vimos chegar.
Loureiro, pois, de braços cruzados, em posição contemplativa, prestva séria attenção ao imprevisto quadro que se lhe antolhava!...Homem ambicioso e de imaginação aprehensiva, roloando-lhe no cerebro mil pensamentos diversos, prorrompeu nestas palavras: - << Portugal não foi debalde que as tuas armas embora os milhares de bravos que perdeste, conquistarão tão gigantesco Paiz!! Que selvas, que serras, que portentosa vegetação!!! Mas o que vejo?! Terei ante os olhos a celebre Fada - Morgana do Estreito de Messina?! E de feito, aquella bacia forrada de argentea lamina, tendo por tecto a movediça nuvem de milhares d'aves, que ali pairavão, e por paredes as gigantescas árvores, que em arcadas se lhe estendião em torno, forma naquelle momento uma paisagem que, recordando antigos contos offerecia aos olhos uma habitação de Fadas!... Fatigado, o Ouvidor sentou-se sobre um tronco à beira d'água. A idéia de um thesouro o preocupava!João de Medeiros perto delle mudo e quêdo, tinha pelas redeas os dois cavallos. Aquelle silencio augmentava a sua pertubação... ia, pois, quebral -o, quando de subito estremecendo, de um salto se poz de pé!! Tão inesperado movimento espantou as cavalgaduras; e uma dellas, tomando as redeas, deitou a fugir. João de medeiros poz -se -lhe no encalço; e o Ouvidor ficára só... Não se tinha enganado... Uma voz que parecia de um Moribundo no estertor da morte, soou-lhe de novo aos ouvidos: - Serás tu o hoeme que eu procuro!... e abrindo - se uma mouta tecida de trepadeiras, entre as quais o maracujá fazia brilhar as suas encantadoras corollas;appareceo o busto de uma creatura, cujo aspecto mais tinha de uma visão, do que de um ser humano! Loureiro amendrotado recuou alguns passos, balbuciando estas palavras: É encanatad esta lagoa!... A sua imaginação, povoada de pensamentos desencontrados, o encaminhava à crenças superticiosas! - Si aquilo não era uma esphinge, que vinha prognosti - sar lhe na sua estréa um futuro desastroso, era decididamente a Mãi d'Água, senhora daquelle palacio que vinha saborear-lhe o sangue!... So, quiz correr; porem aquella vizão, movendo-lhe no ar um objecto que tinha na mão, fel-o deter. A ambição estacou-lhe o passo. Raugou se então a mouta, estalando os cipós que a emaranhavam, e o vulto de uma creatura, que parecia mulher, surgio daquelle alcatifado recinto. Esbranquiçados cabellos, estirados como as cerdas do Javali, pendião - lhe da cabeça até a cinta; e o corpo vergado, fasendo-os cahir sobre a fronte, deixava ver nelles uma toalha branca meio esfumada, que lhe envolvia o rosto. O resto do corpo era coberto por uma saia curta tecida de penas de pássaros, preza as costelas ocultando-lhe as mamas, e sustentada por duas largas embiras, que enlaçvão os hombros: as espaduas e os braços estavam nús. O andar, entretanto, era ligeiro!...poucos passos deu para aproximar-se do Ouvidor, que recebeu-a de punhal na mão! - Senhor, desculpai a pobre india que infeliz na sua vida, tem hoje a dita de vos fallar. O Ouvidor encolheo os hombros,indicando com a ponta de seu punhal a distancia, que os devia separar... A india comprehendeo naquella resposta muda, naquelle gesto ameaçador o que se passava na mente do Ouvidor; e apesar da sau longevidade, como que reanimando-se em frente do perigo, reunio todas as suas forças, sacodio para traz os cabelos que lhe cobrião o rosto, e, empertigada, retorquio lhe em termos pouzados e energicos: Guarada Senhor a tua lamina... Mais ligeiro nem mais valente serás do que o Juguar!...E elle, neste momento, cahiria com o coração atravessado por duas flechas, antes que sobre pousasse as garras... Na matta quatro olhos que não pestanejão, se fixão sobre o teu corpo...Dois arcos possantes ja se entesão sobre suas flechas; e terás a mesma sorte do Jaguar, se por ventura não te mostrares cavalheiro em presença de uma mulher velha inoffensiva! Diante de ti tenho apenas uma missão - cumprir a disposição de ultima vontade de um guerreiro, que pelejou pelo teu rei. Ouve, pois,a minha história que talvez te possa interessar... O conselho pareceo calar no animo do Ouvidor, pois que occultando o punhal, bondoso declarou que estava , às ordens de sua interlocutôra... Um profundo suspiro, que escapou do peito da india, foi o preludio da sua história, que começou assim: "No anno de 1648, a 24 de agosto, quando nos arraiaes dos Pernambuccanos o prazer transbordava nos caorações pela derrota do exercito do general Segismundo, na baalha dos Guapápes; quando um reforço de 400 homens, ao mando de Figuerôa, por ordem do governador geral se reunia aos guerreiros da minha e da tua raça para fortificar os terços, que sitiavão, no Recife, aquelle pirata Hollandez; quando tudo era alegria, porque parecia aproximar-se o temo de uma luta, que à 18 annos bebeu o sangue humano como o mar as aguas das fontes, uma dor profunda veio empalidecer os rostos dos combatentes Portuguezes, e amargurar a existencia dos indios Tabayares..." "Na matta, onde os sitiates havião levantado suas tendas, em um leito de palhas sob a frondosa copa de uma arvore, que lhe servia de cortinado, um homem, um heroe exhalava seu derradeiro alento." "Esse homem, Senhor, era Antonio Felipe Camamrão, o gurreiro afamado do seu tempo, cujos relevantes serviços forão considerados pelo teu soberano, que em 1635, lhe conferio o titlo de Dom, que ornava o seu nome, e o habito da Ordem de Christo, que lhe pendia do peito!..." "Aquella dor, Senhor, foi o resultado da morte desse heróe brasileiro, sob cujos golpes havião cahido milhares de inimigos; sob cuja bravura e lealdade descansavão teus generaes, e prolongavão a vida os especuladores de tua raça..." Taes recordações, naquelle momento, produzirão acerba dor ao coração daquela mulher! A vehemencia das suas ultimas expressões exprimem precizamente o que se passava em sua alma... Ella parou, suffocada pelos soluços que abastava no peito; e aquelle rosto bronzeado, que a velhice havia amortecido, incendiou-se tomando formas assustadoras! Um movimento convulsivofê-la extremecer, e de repente, como se uma vibora a mordesse, avançou dois passos para o Ouvidor... Pozera-se ao seu alcance. Loureiro aturdido, embora visse naquella mulher um espectro, puchou de novo seu punhal... Então um ruído semlehante ao que produz o vôo precipitado da rôla, rapido como o raio, atravessou o espaço e duas flechas, arremessadas de logares oppostos, cahiram, crusadas entre ambos, ficando no chão as suas agudas e farpadas pontas de ferro! Loureiro gelou... O punhal chiu-lhe da mão! e a india, arrimando-se àquellas duas flechas, que lhe suportavão o pezo, derramou copiosas lagrimas...Depois encarando o Ouvidor, e sem considerar aquelle incidente, continuou: "As lágrimas que vistes rolar por estas descarnadas faces, não foram simplesmente o effeito da recordação de um morto querido! Não!...Camarão, o chefe da Tribu Tabajara, já velho e doente devia pagar seu tributo à natureza... Ellas são lavas que o meu coração vomita, escandecido pela traição e cruêzas d'aquelles que, como tu, apossando-se de um paiz que lhes dá riquezas, ludibrião a Nação, escravisando com a mais negra ingratidão os livres filhos das selvas!!! Camamrão, como ue ha pouco, chorou na hora de sua morte, hora suprema, sentindo ter com o seu braço suerguido por vinte vezes o exercito da tua raça, que sucumbia oas golpes Hollandezes!" "E elle tinha pressentimentos; mas na nobreza de sua alma attribuia uma parte das atrocidades de seus alliados às necessidades da guerra! Foi victima de uma illusão!...Neste momento, senhor, eu sou a imagem da Pátria, que acabrunhada de opressões, reage contra ti, que symbolisas o poder... e a india, altiva,, mantendo-se em um certo pá de dignidade magestosa, em tom prophetico acrescentou: O espetaculo que ora se dá, será reproduzido no futuro: Um grito, como o que se exahlou do meu peito, arrebatará este Paiz às garras de Portugal!...a nação abatida se erguerá!...As suas armas assustarão o despotismo, e a libreddade assumirá os seus direitos." "No Sul se levantarão Leões, e no norte os cordeiro se farão heroes. Uma revolução lenta e pacífica fará reconhecer a dignidade do homem, abolindo a escravidão!" Começa, pois, Ouvidor, essa grande obra, naõ consentindo que no território de tua jurisdição o homeme seja propriedade de outrem!...Compulsa o cartório de Orphãos de S. José do Riba-mar, e nelle encontrarás um escândalo que te fará enrubescer as faces!..." "O sargento -mór João da Cunha Lemos, esse juiz deshumano, foi o primeiro que sanccionou nesta capitania a venda do homem, por uma setença firmada de seu punho no dia, sempre execrável, 17 de Agosto de 1719!" "Lê o inventário que se fez, haverá 10 annos, por morte da mulher de Antonio Mendes Loubato, e n'elle verás que entre os gados vacum e cavallar foi descripta uma relação extensa de indios Calabaças e Cariús, que, avaliados a 13$000rs a 30$000 e 55$00 rs. forão partilhados como escravos entre seus herdeiros!! "Não!...Não foi isso que se prometeu a Camarão, que na guerra respondia ao retira-te que lhe cochichavão as balas, com o avante que lhe ditava seu coração leal e corajoso!..." Alguns minutos se passarão em silêncio... Loureiro não descerrava os lábios: era a imagem do réo; confesso, ou antes prisioneiro, que só tinha a esperar da generosidade do vencedor! A índia , porém, passado este momento, adoçando a voz, e com um olhar compassivo prosseguio: Desculpa, Ouvidor, se te peretubei o espírito; a verdade tem suas rudezas, e o offendido nem sempre tem calma para pautar as suas palavras segundo as normas da etiquêta... Naõ estava em mim deixar de exporte o estado de degradação da Pátria, como não estava em mim, relatando-o, deixar de exceder-me nas expressões. Qaundo a dor aturde-nos, na sua vehemencia faltamos, às vezes, as regras do cavalheirismo... Desculpa. E, dizendo isto, a India arrancou as flechas, quebrou-as em quatro pedaços, que sacodio ao fundo da Lagôa; e, voltando-se para o Ouvidor, accrescentou: Estás livre: fica ou parte, como quizeres; mas, eu te suplico, me concedas ainda alguns instantes... Tenho uma missão a cumprir. O Ouvidor respirou, e olhando para o punhal que lhe estava aos pés, mais socegado, respondeo: Fala, mulher, quando quizeres, já te disse - estou as tuas ordens. - Pois bem, escuta: - Eu me chamo Mecejana, sou filha de Diogo Pinheiro Camarão. Nasci no anno de 1626, no dia 21 de Junho, e hoje completo a idade de 103 annos! Meu Avô foi chefe da Aldeia de Mecejana, onde nasci, nome que meu Pai, por grata recordação, m'o deo, em que recebi nas aguas do baptismo no dia 26 do mesmo mez, officiando no Sacramento, Frei Christóvão de Lisboa. Forão meus padrinhos - Martin soares Moreno e N. Senhora Sant'Anna. Sou, pois, cearense; christã... Tranquiliza-te; nada tens que receiar de mim. Estas palavras produzirão um effeito modificador nas aprehensões do Ouvidor... O Sol ja se tinha levantado bastante; e à sua claridade havião desaparecido as sombras, que união as árvores; estas começavão a balançar-se ao poente sopro do vento, que, lhes torcendo as copas, as destacava, levantando nas águas da lagôa pequenas ondulações, que se estendião nas margens, revolvendo o paúl de mistura com branca espuma; e as aves, já cançadas de seu demorado pairar, formando-se em linhas triangulares, desfilavão no espaço, desapparecendo por detraz dos montes. desfizera-se, pois, a miragem que o Ouvidor tinha tinha ante os olhos, concorrendo este cortejo de circumstancias naturaes para desvanece-lo do seu espanto! Elle voltára ao seu estado normal... Via uma simples lagôa e uma mulher que o pezo dos annos recurvara o dorso desfeiando-lhe as formas, mas dando -lhe subido gráo de uma dignidade respeitosa... Envergonhara-se; mas acalmando - se disse: _ Continua, velha respeitavel; eu te ouvirei sem o menor enfado: senta-te sobre aquelle tronco, pois já deve estar cançada. Um sorriso se deslisou nos lábios da India, imaginando naquelle acontecimento que estableceia entre ella e o ouvidor, uma intimidade complacente, a paz futura de ssua Patria, nos termos da prophecia que fizéra. Aceitando, pois, o offerecimento do Ouvidor, sentou-se balbuciando estas palavras: - Um dia, como eu agora, a Patria repousará descansada; a liberdade surgirá;os povos falarão ao Rei, e as suas queixas serão ouvidas, serão attendidas...E numa rápida trnsição continuou desta maneira: - << Sim, Ouvidor, naquelle tempo, quando tudo era alegria, só Camarão gemia no leito da dor, e eu velavca a sua cabeceira! Meu pai, no impedimento daquelle enfermo, assumira o coamndo de seu terço e partira com Jacaúna para o cerco do Recife, aonde os chamavão a honra e o dever. Triste, penosa foi a despedida daquelles tres heroés!... Aquelles homens, cujos rostos nunca se mancharam com a sobra do susto, sntados sobre folhas, no chão, um ao lado do outro, derramarão torrentes de lágrimas! a amisade os reunira, a dor os humilhára; e a separação, oprimindo seus corações, fisera daqueles leões encanecidos tres creanças timidas, affectuosas!... Os seus largos peitos arpavão; mas um só gemido não desprendião!... aquelle silencio exprimia, em hora tão suprema, quanto havia de mais sublime nos corações daquelles três amigos!Afinal Camarão rompeo: << partão, irmãos; o bom guerreiro não se faz esperar! dois sons bem distinctos chegam neste momento aos meus ouvidos - a cornêta que vos chama aos seus postos, e a voz do senhor que me chama ao seu seio>>... E disendo erstas palavras com tom firme, resoluto cobriu o rosto com a ponta de seu felpúdo lenço!...
Os dois amigos comprehenderam a sua intenção naquelle gesto. Levantarão -se silenciosos, apertaram-me nos seus braços, e partiram apressados!
Meia hora depois se descobrio aquelle rosto venerável... Só eu estava alli! Descrevê-lo é impossível; basta dizer que a dor, a mágoa e um profundo sentimento estavão nelle traçados... Sentei -me a seu lado; e a sua voz fraca e debil se fez ouvir - escuta filha: quiz a sorte que eu, no anno de 1611, me aliasse, no Ceará, a um homem a quem dediquei todas as minhas affeições... esse homem era Martin soares Moreno, teu padrinho, amigo de Jacaúna, o teu avô. - Motivos poderosos o fizerão abandonar o Brasil em 1646; e na sua partida, quando o meu coração pulsava sobre o seu, elle me deu um papel para entregá-lo ao Ouvidor daquella capitania, prevenindo-me de que, antes de faze-lo, estudasse o carater e virtude dessa autoridade.
- Ainda me soão aos ouvidos estas doces palavras: - mais confio em ti, Camarão, que no estrangeiro como eu!
- Quando, pois, me vires morto, tira d'aquella moca um cabacinho embutido em fios untados de resina, no qual o guardei, e dá-lhe o destino. Vive e espera o Ouvidor... Elle não respirava mais!! Morreo como o justo; e a sua alma voou ao céo como um arcanjo querido do Senhor... Só! Fiquei no meio das selvas! Eu contava 22 anos de edade...No dia seguinte Jacaúna meu avô apareceu: e sepultado o morto conduziu-me à taba de seus maiores, na Serra do Gabigi, no Rio Grande do Norte.
Alli vivi, e esperei, como mandou Camarão, até que houvesse Ouvidor nesta capitania, para onde parti a 23 de agosto de 1723, quando tomou posse o 1. Ouvidor José Mendes Machado.
O seu caracter, por suas turbulencias, não me inspirou confiança, como também não me inspirou Mathias Ferreira de Carvalho, que inteiramente o substituio!
Esperei ainda e chegaste tú... a minha idade não me permite maior experiência; e já te procuirava, quando o acaso neste logar, que te pareceo encantado, me fez deparar contigo!
Toma, pois, O' Ouvidor, este deposito que, a 81 annos, me foi entregue! elle encerra atlvez um thezouro... sê digno da confiança que me inspiraste... e a India, já de pé, retirou-se ligeira como a córsa, desapparecendo na matta, que se lhe fechou nas costas!
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