quarta-feira, 23 de junho de 2010

Salve, maestro!

MAESTRO JOSÉ ATAÍDE
Tarde quente de seca verde!
Caminhando pela rua Dr José Mendes deparo-me com a impassível figura do maestro José Ataíde com seus braços apoiados no baixo muro da entrada de sua casa observando como uma sábia esfinge os transeuntes. Recordo-me da recomendação que me fizera o Senhor Sebastião Azevedo(sucessor de gerações de homens que tocaram o sino da Matriz de Santana do Acaraú):"o maestro tem uma doação a fazer para o memorial de um livro de cifras que era utilizado pelo coro da Igreja na missa de antigamente"!
A lembrança me fez parar bem defronte à figura sábia que observava o vai e vem da rua e saudá-lo com uma boa tarde que prontamente, numa voz firme e grave, me foi respondido com um: "viva"!
Apresentei-me, disse a que vinha e a figura austera do maestro que tinha comigo desde criança (figura ao mesmo tempo austera e admirável) foi mostrando outra facetas e nuances que poucos têm paciência de captar: a de um homem de um senso de humor ácido, porém inteligente, de raciocínio rápido e apreciador da boa música.
Pouco a pouco, como acontece com toda imortal alma humana que deseja eternizar-se no transitório tempo material, foi contando a mim e a um dos músicos da banda Padre Arakén suas memórias de missas tocadas em época anterior ao Concílio Vaticano II, mostrando-me o livro de Cifras de que me falara o Senhor Sebastião Azevedo.
O livro, cujo título é a Harpa de Sião, seria só mais um impresso de uma gráfica do sul do país se os dedos que lhes perpassaram as páginas não as tivessem carregado de memórias naquela tarde quente.
Cada título de música, cada nota escrita naquelas pautas me eram apresentadas com um discorrer vivo de histórias que ainda faziam os olhos do Maestro encher-se de brilho e minha imaginação dar contornos a fatos que eu não vivi.
Fui ainda premiado com uma visita a um memorial particular do maestro quando o mesmo convidou-me a adentrar sua casa. Na sala da mesma, fotos em simples murais de isopor ou emolduradas de maneira singela contavam a trajectória do músico que foi testemunha de histórias de diversas fases da Banda Padre Arakén(uma das mais antigas do ceará, quase bicentenária) e que tornou-se um dos baluartes desta história.
Em um dos murais havia uma frase - tema que me fez pensar sobre o papel dos guardiões de nossa memória:"Rei deposto, rei morto"!

O sistema Capitalista, cheio de histórias vazias que cavalgam na velocidade da Internet despreza as histórias dos mais velhos. Se as ouvíssemos e guardássemos seríamos seres realmente éticos, com senso crítico e portadores de uma identidade que facilmente distinguiríamos de outras.
Comovido, copiei com minha câmara digital as fotos daquele memorial particular que em breve farão parte do acervo de fotos do memorial da paróquia de Senhora Sant'Anna acompanhadas de suas respectivas histórias a serem contadas às novas gerações.

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