Prática institucional e ordinária entre os missionários, as cartas, dando notícia da situação das missões, cruzavam os oceanos com as gentes e as mercadorias que iam e vinham à Metrópole Portuguesa.
Tendo Frei Cristóvão os encargos de que estava investido: Visitador Eclesiástico, prelado do Santo Ofício, Custódio da Missão dos Capuchos de São Luís do Maranhão e Administrador das missões indígenas de sua circunscrição eclesiástica; cabia ao mesmo dar notícias com frequência à Corte Portuguesa.
Não era rara a situação em que uma carta com mesmo teor tinha que ser enviada mais de uma vez ou em mais de uma via em razão das condições de transporte e como precaução em caso de acidentes marítimos.
Nas pesquisas que até agora empreendemos em busca da fonte de onde foi retirada a carta que o autor de O Município de Sant’Anna transcreveu e afirma ser de Frei Cristóvão de Lisboa, encontramos publicadas somente três cartas deste Frade a seu irmão Manuel Severim de Faría na Revista do Instituto do Ceará (RIC).
Comparando o conteúdo destas ao da referida carta transcrita nada encontramos de semelhança. Contudo, alguns trechos das cartas publicadas na RIC apontam uma razão a mais de porque Frei Cristóvão empreendeu a viagem ao Fortim do Amparo por terra e mostram que, do Ceará, Frei Cristóvão escreveu ao irmão.
Os estudos que temos consultado até agora só fazem referência a duas visitas de Frei Cristóvão ao Ceará. A primeira em Julho de 1624 e a segunda em Junho de 1626. A que interessa a história de Santana do Acaraú é esta última, uma vez que ainda se atribui a Frei Cristóvão a autoria da Carta transcrita no livro O Município de Sant’Anna.
A carta de O Município de Sant’Anna principia dizendo que Frei Cristóvão foi por terra ao Fortim do Amparo, partindo do Maranhão, no dia 13 de maio de 1626. Todos os autores que consultamos: Filho (1955), Willeke (1977), Théberge (1971) e Frei Vicente do Salvador em sua História do Brasil são unanimes em afirmar que Frei Cristóvão empreendeu viagem de um mês ao Fortim do Amparo em 1626.
Venâncio Willeke (1977) afirma que Frei Cristóvão partiu de São Luís com sua comitiva em duas canoas no dia 18 de Maio de 1626. Achando o mar depois da Barra do Rio Periá muito bravo, decidiu prosseguir por terra. Filho (1955), citando um trecho de Anais da História do Maranhão escritos por Berredo, afirma que Frei Cristóvão e sua comitiva vieram caminhando desde a foz do Periá através das parias arenosas do meio norte, por 30 dias.
Na carta de dois de Outubro de 1626, publicada na RIC, encontramos o seguinte trecho onde Frei Cristóvão refere-se a embaraços que lhe foram impostos por bento Maciel e pelo padre Luís Figueira:
‘(...), deixo muitos, e grandes agravos que fez aos religiosos enquanto estive eu no Pará, por que como não são diretamente contra liberdade da Igreja não trato diretamente deles, nem as invenções que fez para me negar o barco que sua Majestade me mandava para ir fazer a vista de Seará, pois por Visitador geral me mandava El Rei dar passagem e mantimento, e eu só pedia passagem, teve intento nisto de não ir eu fazer a visita, ou morrer no caminho indo por terra inda que não quebrei com ele dissimulei tantos agravos, ele, e Luís Figueira temião bravamente minha ida porque receavão que ou fosse ao Rei dar conta das exorbitâncias de ambos, ou menos segurasse as cartas e as escrevesse (...).
Na carta de O Município de Sant’Anna afirma-se que a Serra da Ibiapaba, a Leste, foi o rumo primeiramente planejado por Frei Cristóvão, do qual teve que desviar por conta de índios que perseguiam a comitiva, atacando-os em número de 90, em certo trecho do caminho.
Os autores que já citamos não fazem referência à Ibiapaba. Contudo, se observarmos os mapas da época e os de agora perceberemos que a Ibiapaba é o acidente geográfico que está na fronteira entre os Estados do Ceará e do Piauí, sendo desnecessário citá-lo como ponto de referência dos viajantes.
Quanto ao ataque dos índios os autores supracitados também são unânimes em relação ao fato, ao número de índios e a maneira como os indivíduos armados da comitiva os repreenderam, corroborando o que é afirmado na carta de O Município de Sant’Anna. Filho (1955) afirma que tal ataque promovido por 90 Tapuias de corso, ocorreu após caminharem trinta dias pelas praias arenosas da região do meio norte. A este ataque os homens armados da comitiva responderam com tanta bravura que os Tapuias lhes pediram que fossem feitas as pazes (fato citado por Frei Cristóvão na sua carta de outubro de 1626 em relação aos Tremembé). Willeke (1977) afirma que tal ataque ocorreu em vésperas de São João, foi promovido por índios Tapuia, Arechi e Uruatim e, só não foi pior, porque alguns soldados portugueses, quinze índios da comitiva, Frei Cristóvão, Frei João da Cruz e um sacerdote secular (possivelmente Padre Baltazar João Correia) tomaram armas e os combateram de modo assaz.
Fato curioso desta viagem é a presença, na comitiva, do Padre Baltazar João Correia, sacerdote secular que morava desde 1611 na região do Forte São Sebastião porque vindo da Bahia ao Ceará por solicitação dos Potiguares, de Martin Soares Moreno e nomeação de D. Diogo de Menezes Siqueira como Capelão do Presídio.
Filho (1955) afirma que tal sacerdote era conhecedor de muitas estradas circunvizinhas por não ficar somente na Capela de Nossa Senhora do Amparo, realizando seu trabalho catequético nas aldeias da região. Isto nos leva a concluir que o desvio que fizeram da rota inicialmente planejada foi muito grande para se perderem, como afirma Frei Cristóvão na sua carta de outubro de 1626.
O resto da descrição do caminho: da ponta norte da Ibiapaba ao rio Coreaú (antigo Camocim), deste ao sopé da Meruoca, deste ao Rio Acaraú, do Rio Acaraú ao Serrote do Olho D’Água e deste ao Fortim do Amparo, não a encontramos ainda em nenhum documento que nos aponte existir carta de Frei Cristóvão que a contenha.
Também com relação à promessa do Frade a Santa Ana, a quem atribuiu a graça de ter se salvado da perseguição dos índios, não encontramos documentos que a confirmem ainda. Contudo, esta foi a motivação central para que o Padre Antônio dos Santos da Silveira construísse em 1738 a primitiva capela de Taipa que deu origem à Matriz da cidade.
Porém, trechos das duas cartas de Frei Cristóvão ao irmão Manuel Severim, publicados na RIC, deixam ainda muita margem para pesquisa:
“Da capitania do Seará vos escrevi largamente inda que cheguei lá mais morto que vivo e em três folhas de papel vos relatei tudo o que me tinha sucedido (...)”.
“Do Seará vos escrevi largamente depois de chegar aqui por índias de Castella mas porque estas cartas tem muito que correr antes que cheguem as vossas mãos e porque o alivio que tenho é escreververvos faço esta pelo Brazil, e por três vias, e como as cartas são tantas e as mais por minhas mãos escriptas, e eu estou mal disposto, serei neste mais breve do que quiesera não vos faço menção do que passei, porque estas vão em companhias das de El Rei em que digo o necessário para coligirdes o que cá passo (...).”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UTLIZADAS NAS POSTAGENS SOBRE FREI CRISTÓVÃO DE LISBOA
FILHO, Carlos Studart; Dados para uma história eclesiástica do Ceará (1603 – 1750), Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, Fortaleza – Ceará, 1955.
FONSECA, Luísa da; Maranhão e Frei Cristóvão de Lisboa, introdução presente em edição de História dos animais e árvores do Maranhão, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1968.
O MUNICÍPIO DE SANTANA, Papelaria e Tipografia Correio da Semana, Sobral – Ceará, 1926
SALVADOR, Frei Vicente do; História do Brasil, disponível em www.dominiopublico.gov.br
TRÊS CARTAS DE FREI CRISTÓVÃO DE LISBOA, Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, Fortaleza, 1909.
THÉBERGE, Pedro; Esboço Histórico sobre a Província do Ceará, Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará,Fortaleza, 1971.
WILLEKE, Frei Venâncio; Franciscanos na história do Brasil, Petrópolis, Ed. Vozes, 1977
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