quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A CASA DE CARIDADE FUNDADA PELO PADRE IBIAPINA

CASA DE CARIDADE DE SANTANA DO ACARAÚ

Embora um número muito reduzido de santanenses saiba, Santana foi contemplada pelas missões do padre José Antônio de Maria Ibiapina, célebre missionário cuja vida está sendo analisada pelo Tribunal das Causas dos Santos em Roma, porém eleito pela devoção popular em vários estados do Nordeste e objeto de estudo em várias instituições acadêmicas nacionais e internacionais.
Conforme o livro O Município de Santana, chegou o padre Ibiapina à Santana no ano de 1862 quando o partido Conservador e o Liberal se enfrentavam em renhida luta que fora extinta pelas palavras cheias de unção do mesmo.
Como em toda missão, cá também construiu o Padre Ibiapina uma Casa de Caridade cuja obra começou em dois de Novembro de 1862 no lugar das ruínas de uma Senhora conhecida por cega Justina, e foi concluída em dois de fevereiro de 1863. Tal casa, como todas fundadas pelo Padre, destinava-se ao abrigo de órfãos, ao cuidado de doentes e ao ensino de ofícios às órfãs que ali eram abrigadas.
À sua inauguração concorreu numeroso público, da própria Vila e de Vilas circunvizinhas, estimado em torno de cinco mil pessoas.
O Livro O Município de Santana assim descreve a fachada da casa de Caridade:
“(...) A sua fachada, de altura regular, aformoseda de parapeito, contem dôse janellas e três portões collocados em symetrica disposição. Ligada a egreja de S. João, representa um só edifício, e todavia se achão inteiramente discriminados. Começando dali estende-se na direção de sul e mede 47 metros até aquella esquina onde termina; mas é preciso advertir que a casa, propriamente dita, não ocupa toda essa extenção: sua frente tem apenas 29 metros comprehendidos entre estes dois cunhaes que a distinguem. Só o portão do centro com aquellas oito janellas – quatro de cada lado -, pretence a casa; os dois lateraes, cada um com duas janellas fingidas deitão para o jardim e aquella que vemos à esquerda do primeiro portão, que comprehendemos no número das fingidas, tem ao interior um aparelho e é destinda a recepção dos expostos. Branca, pois, como a neve, essa fachada que realça pela cor verde de seus portões e gelosias envidraçadas, ostenta uma perspectiva agradável e ao mesmo tempo respeitosa pelo dístico – Casa de Caridade – que se lê entre aquelles seis canos sobre o portão principal. De forma quadrangular, deste lado Ella só nos apresenta um face, as outras três, aliás idênticas, estão do lado opposto. O seu compartimento, as suas disposições internas, mão de obra e asseio, prendem as attenções dos visitantes; mas, antes de entrarmos nos seus detalhes, subamos a calçada e continuemos por Ella o nosso passeio em torno da vasta muralha que a circunda.” (O Município de sant’Anna, página 195, 2º parágrafo)
“Este muro, fingindo frente com um portão entre 18 janellas, mede desta aquella esquina 55 metros de extensão. Encaminhemos nos para lá. Aqui a calçada é bastante elevada pelo declive do terreno; e este muro que se estende ao norte, tendo no centro, entre 16 janellas fingidas, em portão de madeira que se abre para o Jardim, corrresponde as dimensões da fachada de nosso edifício.” (O Município de sant’Anna, página 196, parágrafo 1º)”

O MURO DA ANTIGA CASA DE CARIDADE A ALGUNS ANOS ATRÁS ANTES DE DAR ESPAÇO A VÁRIAS CASAS QUE ALI JÁ FORAM CONSTRÍDAS
Antônio Bezerra em seu livro: “Notas de viagem”, assim descreve a fachada da casa de Caridade quando de sua visita à Santana:
“No extremo oposto, próximo a uma pequena elevação do terreno conhecido por Alto de S. João, está a Casa de Caridade, lindo edifício com 15 portas de frente, de construção elegante(...)”(Bezerra, Antônio; Notas de viagem, pág. 68)
“Uma mimosa capela, em cujo cimo monta pequena torre, que se escapa da cornija aberta em dois arcos voltados para cima, forma o ângulo setentrional do edifício e trona mais imponente aquela construção.” (Bezerra, Antônio; Notas de viagem, pág. 69)
Os espaços interiores da Casa de Caridade são assim descritos pelo mesmo livro:
“Esta saleta ladrilhada de pedra, tendo por paredes esses gradis de madeira que a separam dos dois salões lateraes, é destinada à espera dos visitantes. Eis o cordão da sineta que nos deve annunciar; mas antes de fazê-la soar examinemos o que há aqui de curioso. Defronte de nós de um lado e d’outro d’essa porta que dá para o interior da casa, essa saliência de madeira envernisada que vemos, contem em compartimentos quatro vasos para o recebimento das esmolas de cereaes – milho, feijão, arroz e farinha -. Cada vaso no lado superior, sob um vidro, tem a indicação do cereal que lhe convém; e aquella caixinha, alli pregada com segurança, indica pela sua – fenda – a naturesa do óbulo que tem de receber... Forra da esta saleta do lado de cima por toda sua extensão, há um côro, onde a família da casa se reúne para assistir aos actos divinos, que se celebrão no salão da esquerda, no fundo do qual, alem daquella pesada cortina adamascada, está o Altar que por primeiro logar devemos visitar. (O Município de sant’Anna, páginas 201 parágrafo3º )
“(...)comecemos nossa visita pela capella(...). o seu pavimento e tecto são forrados de taboas, a capella começa desta grade”. (O Município de sant’Anna, página 202, parágrafo 3º)
PARTE MODIFICADA DA CASA DE CARIDADE ONDE A MESMA COMUNICAVA-SE COM A IGREJA SÃO JOÃO
“Corramos o cortinado para descobrirmos o altar. Ei-lo. Collocado em posição elevada elle realça pela brancura de sua cor, e ostenta-se magestoso nas molduras com lavores em relevo e frizos dourados que o adornão! É em si bem regular em tamanho esta capella; mas Ella toma maiores proporções nos dias festivos: aquellas duas grades são amovíveis; nesse dias desprendem-se ellas das mollas, e a capella estende-se então até o fundo daquella outra sala. Poucas egrejas na Província offerecem n’este caso, tanto espaço á população.” (O Município de sant’Anna, página 202, parágrafo 4º)

“Aqui, deste lado, a saleta que vemos, com um corêto especial, para a musica, serve de sachristia; atravessemo – la; vamos ver a antiga e primitiva capella da casa. Ei-la; foi n’esta sala, ante aquelles dois singelos altares, que se celebrarão os primeiros actos da religião n’este pio estabelecimento. A saleta que se segue em frente nada tem de curioso, é um quarto para acomodações, e que servia de sachristia à velha capella. Agora por esta porta entre estes dois altares passemos ao interior da casa”. (O Município de sant’Anna, página 203, parágrafo 1º)

Em sua visita à Casa de Caridade Antônio Bezerra descreve desta forma sua visita à capela da mesma:
“Achando –se aberta a porta central, penetrei no estabelecimento.”
“Uma mimosa capela, em cujo cimo monta pequena torre, que se escapa da cornija aberta em dois arcos voltados para cima, forma o ângulo setentrional do edifício e trona mais imponente aquela construção.” (Bezerra, Antônio; Notas de viagem, pág. 69)
“Logo à entrada, do lado esquerdo, deparou-se – me um rico altar, convenientemente preparado, onde um sacerdote celebrava a missa.” “Uma mimosa capela, em cujo cimo monta pequena torre, que se escapa da cornija aberta em dois arcos voltados para cima, forma o ângulo setentrional do edifício e trona mais imponente aquela construção.” (Bezerra, Antônio; Notas de viagem, pág. 69)
“Diversos bustos de santos me impressionaram pela perfeição do trabalho, mas sobretudo o que mais atraiu minha atenção foi o retrato à óleo do padre Ibiapina, que pendia da parede lateral.” “Uma mimosa capela, em cujo cimo monta pequena torre, que se escapa da cornija aberta em dois arcos voltados para cima, forma o ângulo setentrional do edifício e trona mais imponente aquela construção.” (Bezerra, Antônio; Notas de viagem, pág. 69)
Contam os memorialistas de nossa cidade que este retrato á óleo do padre Ibiapina é o que hoje se encontra no museu Dom José e a imagem de Nossa Senhora do Rosário é a que está na Igreja do Rosário em Sobral.
Continuemos com a descrição do Livro o Município de Santana:
“Eis um pateo interessante, um famoso saguão! Alli no centro, rodeada dessa elegante alpendrada, aberta em arcadas que tem por base dose columnas deixando ver, entre ellas e as paredes lateraes que encerrão o edfício, aquelle passeio, espécie de corredor que contornêa todo este recinto, está um cisterna bastante profunda destinada a recolher as águas pluviaes, que correm de todos os lados do tecto, na parte interior da casa. Approximemos – nos della: Bojúda como uma jarra, porem pouco afunilada, com estas bordas salientes que nos chegão à cinta, Ella, como dissemos, recebe as águas por essa seis aberturas que correspondem a outras tantas daquellas columnas, por cada uma das quais desce do tecto, encoberto por esse elevado parapeito um cano que, tocando ao solo, nelle se interna e vai terminar alli”. (O Município de Sant’Anna, página 203, parágrafo2º)
“Nos annos invernosos esta cisterna enche-se; e transbordaria se aquella larga fenda, quase na extremidade das bordas, não proporcionasse franco esgoto às águas excedentes que, chegando a Ella, descem por esse cano especial e vão ter a um poço profundíssimo, de 20 palmos mais ou menos de diâmetro no fundo do jardim. Debaixo dessa alpendrada existem seis cubículos, ourt’ora, segundo a intenção do instituidor, destinados ao abrigo de mulheres convertidas, mas que hoje se prestão a outras commodidades da família da casa em vista da nova ordem estabelecida no Regulamento respectivo que abolio a recepção daquellas. Daqui se vê perfeitamente que este edifício é de forma quadriangular. (O Município de sant’Anna, página 203, parágrafo 3º)
“As linhas da frente, fundo e lados, são parallelas entre si; e o pateo em que nos achamos, que conserva a mesma forma, representa a quarta parte de todo. Esta cisterna está no ponto central; daqui se vê em linha recta, a leste, através daquella sala, o portão do fundo da muralha, a oeste, o portão da frente, e de sul a norte, por entre aquellas seis portas abertas, os lados do jardim que, se estendem até a muralha da frente. Sigamos a leste, mas antes de visitarmos a sala indicada, pouco adiante desse curto corredor, idêntico ao que se segue a saleta de espera onde estivemos, vejamos o que há neste cubículo da esquerda. Eis uma escada.” (O Município de sant’Anna, página 204, parágrafo 1º)
“Talvez nos seja mais commodo desviarmos-nos por emquanto da direção em que vínhamos; subamos por ella. Aqui começa o soalho do pavimento superior, grande sótão que occupa quase dois lados da casa. Essas janellas deitão para o salão do trabalho das órfãs; e é daqui, debruçadas sobre esse avarandado, que sobresahe no espaço, que ellas na festa do dia 2 de fevereiro, anniversário da installação, observão o movimento do povo e o leilão que em seu benefício alli se faz. Por toda a extensão da sala interior acompanhando essas janellas na direção do norte, segue este corredor.” (O Município de sant’Anna, página 204, parágrafo2º)
“Demos por vista esta parte, e voltemos ao ponto da nossa entrada aqui.” (O Município de sant’Anna, página 204, parágrafos 3º)
“Esse outro corredor prolonga-se na direção de oeste e termina naquella parede que nos separa da capella, mas elle continua à esquerda; vejamos onde vai dar. Nesta parte elle se torna mais espaçoso, e aquella porta que vemos, vai ter ao coreto, onde a família da casa assiste aos actos divinos. Lá está a capella e o salão que lhe fica do lado opposto. Eis a sineta ao toque da qual nos fisemos anunciar à Superiôra. Este sino, de tamanho regular, foi um presente que o Tenente Francisco Leôncio de Andrade fez à casa. Agora retrocedamos: a direita, adiante de nós, está outra escada, desçamos. Esta sala é contígua a que vimos do coreto. Aqui a Superiôra recebe as suas visitas; é fresca e deita porta e janela para o jardim. Continuemos. A sala que se segue é destinada para o refeitório, e aquellas duas portas dão para dois compartimentos – a cosinha e a despensa. – Esta é ao lado sul da casa; estamos defronte da cisterna. Voltemos ao saguão e pela alpendrada, ao ponto d’onde nos desviamos para subir ao sótão. Eis o corredor que já vimos e a sala de que fallamos.” (O Município de sant’Anna, página 204, parágrafo 4º)
“Nestes dois salões lateraes termina o edfício: o da esquerda, que observamos daquele avarandado, é destinado ao trabalho de costura, rendas, bordados e leitura; o da direita ao de tecidos; e um e outro, rodeados de janelas que deitão para o jardim, só comunicam com este pelo portão em que estamos. Larga calçada circunda o edifício: Ella nesta parte é um ouço elevada; e aquelles degráos, entre esses dois peitoris de engenhosa construcção, favorecem a descida.” (O Município de sant’Anna, página 205, parágrafo 1º)
“Desçamos, pois, ao jardim e, seguindo por esse passeio que o divide em duas partes iguaes, vamos até o portão da muralha para de lá fasermos outras apreciações.” (O Município de sant’Anna, página 205, parágrafo 2º)
“Deste ao portão donde partimos há, a distancia de 26 metros; e daqui, voltando-nos, podemos de um só golpe de vista contemplar todo o jardim.” (O Município de sant’Anna, página 205, parágrafo 3º)

Extinta a associação religiosa fundada pelo padre Ibiapina, o edifício passou à posse da Diocese. Dom José Tupinambá da Frota vendeu a Casa de Caridade aos filhos do senhor João Alfredo de Araújo e a um primo destes: o senhor José Olavo Fonteles que, unidos em sociedade comercial, ali instalaram uma fábrica de processamento de algodão que anos depois faliu.
Comprando todo o edifício dos demais sócios, o senhor José Olavo Fonteles incorporou o mesmo ao seu patrimônio. Pouco a pouco a casa de caridade foi dividida em lotes que, desde aí, foram e são vendidos e alugados e quase nada da magnífica casa de caridade fundada pelo padre Ibiapina existe hoje.

VISTA POSTERIOR DE UM DOS TRECHOS DA ANTIGA CASA DE CARIDADE QUE FOI TRANSFORMADA EM UMA GARAGEM



TÚNEL DE ALVENARIA QUE PASSA POR BAIXO DO TRECHO DA CASA DE CARIDADE QUE FOI TRANSFORMADO EM GARAGEM

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