sábado, 19 de novembro de 2011

149° de Santana

POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DO 149º ANIVERSÁRIO DE EMANCIAPAÇÃO POLÍTICA DE SANTANA DO ACARAÚ, FOI CELEBRADA UMA MISSA NO DIA 3 DE NOVEMBRO, PRESIDIDA PELO PADRE RENATO WELTON F. BÔTO.
O MESMO PROFERIU UMA HOMILIA QUE CONSIDERAMOS PROFUNDA, NORTEADORA E NECESSÁRIA PARA SE PENSAR OS CAMINHOS DOS PRÓXIMOS ANOS DE EXISTÊNCIA DA CIDADE.
ATENDENDO O NOSSO PEDIDO ELE A TRANSCREVEU PARA NÓS E NOS PERMITIU AQUI PUBLICÁ-LA




O então povoado Santana do Olho d’Água logo após ter sido elevado à categoria de Vila por determinação da Lei nº 1.012 de 03 de novembro de 1862; tendo instalada em 27 de junho de 1863 a sua primeira legislatura, recebeu o título de Município com a Lei nº 1.740 de 30 de agosto de 1876, demoninado-se assim Santana.
Obviamente uma história assim tão antiga e rica é impossível de ser transmitida em poucas linhas e não é o caso de o fazermos, pois nos falta de um lado, seja a competência para tanto bem, como – um traço distinto neste momento, diria – a pertença quanto à origem a esta terra. Por isto mesmo nos detemos à parte e, de um modo simples, lançamos um pequeno olhar visionário à história de um berço de gente que hoje completa cento e quarenta e nove anos de existência. E para tanto gostaríamos de partir das origens. Não das origens desta terra, desta cidade, mas das origens do próprio conceito de cidade e, consequentemente, do povo que a compõem.
Bem se sabe que nossa ideia de cidade tem sua origem na concepção grega da assim chamada Polis, palavra da qual deriva Popolus, isto é, uma reunião, conjunto de pessoas. Polis, populus, persona, ou seja, pessoa; é esta a parte indivisível que encontramos na origem de uma cidade, de um povo, a pessoa. À esta pessoa – ou conjunto delas – se atribui o Múnus, as prerrogativas, o poder que nos leva consequentemente a uma outra palavra importante, Município, lugar onde os cidadãos exercem seus poderes e funções em prol do lugar onde vivem.
O grande filósofo grego, Aristóteles (384-322 a.C.) já afirmou em uma de suas obras que “o homem é um animal político por natureza”; ou seja, é próprio do caráter humano a capacidade de interagir uns com os outros criando meios e modos com os quais governa e estabelece uma relação com o meio onde vive. Vale lembrar, porém, que na cultura grega a participação da vida política da chamada polis era restrita e permitida somente a algumas categorias de pessoas, ficando excluídos, por exemplo, os escravos, mulheres, crianças, anciãos, etc. O mais importante a se saber é que no centro da chamada política encontrava-se o homem – mesmo que isso significasse apenas algumas categorias! O homem, a pessoa, era o centro dessa vida política e, em torno dela, a polis deveria estabelcer seus meios.
A democracia – outro legado da cultura grega – tem como base exatamente a participação de todos num processo ligado ao bem estar de cada um dos indivíduos da polis, da cidade. A elevação e a promoção da polis significava ao mesmo tempo a elevação e promoção do homem. A identificação de tal fato era tão real que muitos dos grandes pensadores da história tornaram-se imortais graças, também, ao nome dos lugares de onde provinham e que os identificavam diretamente com a sua terra: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Parmênides de Eléia, Eratóstenes de Cirenia, etc.
Já a concepção pós-moderna da polis, da cidade, possui básica e fundamentalmente três aspectos: econômico, ideológico e político. Com a chegada da modernidade e dos grandes meios de produção e geração de lucro, que se deu particularmente a partir da Revolução Industrial, o centro da história passou a ser o próprio capital e não mais o homem. Já não era mais o lucro em função do homem, mas o contrário e, tal descentralização, causou a alienação do próprio homem, pois a economia, o lucro, passou a ser a grande roda que faz girar o mundo.
A ideologia que marca o centro de cada poder econômico tornou-se a religião dominante, centrada não em Deus, mas nas próprias vantagens do sistema.
E, por fim, a política corrompeu-se deixando de lado a sua maior função, o bem estar do homem, para transformar-se numa engrenagem de métodos com os quais se deseja obter os bens almejados, manteve a distância de classes e continuou distanciando-se daquele que é o seu cuidado primeiro: o ser humano.
O resultado de todo esse processo nós o sentimos e vemos no nosso quotidiano, basta ligarmos a televisão. Trata-se de uma realidade que atinge todo lugar civilizado. E não é diferente na nossa realidade santanense. O homem, infelizmente, tem sido vítima sempre mais de um sistema que, uma vez nascido para ele, agora procura abortá-lo. É preciso haver um resgate.
Hoje celebramos não somente os cento e quarenta e nove anos de história política – e religiosa – de Santana do Acaraú. Celebramos hoje os cento e quarenta e nove anos de milhares e milhares de histórias, de milhares e milhares de pessoas que formaram e formam a história deste lugar. São eles indivíduos ilustres e anônimos, sobretudo anônimos. Ilustres como seus primeiros legisladores, políticos, deputados, prefeitos, vereadores, doutrores, padres – dos quais citamos simplesmente um, Pe. Antônio Tomás, o príncipe dos poetas cearenses. Não o citamos somente por ser um padre, mas porque – e acima de tudo, e talvez mesmo por isso – entendeu mais do que ninguém a matéria da qual o homem era formado, uma realidade terrena e divina. Dentre tantos outros nomes ilustres existem aqueles que destacam-se pelo ilustre anonimato. São eles tantos Josés, tantas Marias, tantos Antônios, tantas Antônias, Franciscos, Franciscas, Socorros, Anas, Joãos, etc., cada um, autor de sua própria história escondida dentro desses quase cento e cinquenta anos e quem sem dúvida preenchem os espaçoes brancos dos livros históricos que não registram seus nomes.
Dizer-se santanense é já professar o seu lugar, é já professar a sua fé e a sua identidade, pois esta mesma cidade, mais do que administrativamente fundada, cresceu e ganhou vida no seio de outra realidade que era presente nesta terra a bem mais de centro e quarenta e nove anos, isto é, a fé! Santana é filha da mais autêntica e original fé católica e por ela vidas foram sacrificadas. Por isso mesmo é salutar lembrar hoje na solenidade de tal recorrência civil que Santana traz em si, antes de tudo, não uma história política, mas religiosa, pois foi de uma simples capelinha dedicada à mãe da Mãe de Jesus que surgiu a cidade hoje celebrada. Ignorar este fato é ignorar a própria história. Não conhecer nossa origem histórica é já o princípio da extinção e da própria existência humana e o fim de todas as demais memórias.
No Evangelho que proclamamos (Jo 17) vimos a conhecida oração pela unidade proferida por Jesus. Nela emerge um profundo desejo do Cristo: que todos sejam um, como Ele e o Pai são um.
Pois bem, reconhecer-se membros de uma mesma realidade religiosa e civil é reconhecer-se numa unidade que nos acumuna: nossa terra, nosso chão, nossa cidade, nossa gente, nossas histórias.
Santana, como inúmeras outras cidades no nosso Brasil, do nosso Nordeste e do nosso Ceará, é vítima de tantas mazelas sociais e de tantas diferenças. Mas é preciso reconhecer também tantos méritos. Santana está dentre as maiores cidades brasileiras que mais possuem universitários, que mais formam médicos, professores e outros profissionais nas mais variadas areas. Possui uma lista imensa de nomes ilutres que desfilam nos mais variados setores da vida pública, mas é verdade também que talvez tanta história e tanta riqueza esteja se perdendo nos meandros da ignorância e do esquecimento e na falta do devido valor a que se deve atribuir tamanha riqueza.
Somos chamados hoje, celebrando uma data tão importante, a resgatarmos juntos todo um arsenal de capítulos dessa história que talvez há tanto tempo já se tenha esquecido. Somos chamados a resgatarmos a unidade do povo para constituir novamente uma identidade ainda mais forte, dinâmica e concreta a fim de que a cidade se reconheça em cada um de seus filhos e que em cada um de seus filhos a cidade seja reconhecida, superar diferenças e somar forças para nos reconhecermos todos membros de uma mesma origem. Porque lá onde estará um santanense estará a própria Santana. O homem é a sua terra, o seu berço, pois sempre quando se eleva o homem há também de elevar-se a sua terra, o seu chão, a sua casa.
Parabéns, Santana do Acaraú.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

CENTRO DE ARTES, ESPORTES E CULTURA - CAEC E MEMORIAL DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA SANTANA: DOIS BRAÇOS DE UMA MESMA LUTA



Buscando cumprir a vontade de Cristo de favorecer que os filhos de Deus tenham vida e vida em abundância, a Paróquia de Nossa Senhora Santana criou neste ano uma Associação Comunitária que tem por objetivo proporcionar às crianças de bairros carentes da cidade de Santana do Acaraú momentos educativos através da arte, do esporte e da cultura: O Centro de Artes, Esportes e Cultura da Paróquia de Nossa Senhora Santana - CAEC.


SALA DA CASA AMARELA ONDE AS CRIANÇAS TÊM AS AULAS DE MÚSICA
Situado no Bairro do Jericó, numa casa conhecida como Casa Amarela,o CAEC, por enquanto, somente oferta aulas de música: violão, flauta e canto e, tendo o Memorial da Paróquia de Nossa Senhora Santana como parte de seu projeto de oferecer outras oportunidades de aprendizado, proporciona às crianças aulas de educação patrimonial, de aprendizado da história local, para construção do conhecimento da Cultura Santanense, de uma identidade e autonomia.
Ambos os projetos ainda dão passos iniciais e incipientes, mas alguns frutos mostram que o povo Santanense é dono de um grande potencial para as artes e tem interesse em conhecer sua história e identidade.
O Vídeo acima, que retrata uma das apresentações dos corais de flautas e de vozes na Igreja Matriz da cidade; e as fotos, exemplificam o que dissemos:


CRIANÇAS DO CAEC NA PRELEÇÃO ANTES DA VISITA AO MEMORIAL - SOBRADO PADRE ARAKÉN



MOMENTO DA VISITA À PRIMEIRA SALA DO MEMORIAL



DIANTE DO PAINEL DE FOTOS ANTIGAS DA CIDADE NA SEGUNDA SALA

domingo, 13 de novembro de 2011

O MUNICÍPIO DE SANT'ANNA: CAPÍTULO I O DEPÓSITO

Corria o anno de 1729

Era Capitão - Mór do Ceará João Baptista Furtado, e Ouvidor - Antônio Loureiro de Medeiros.____ Só duas Villas existião, só duas câmaras funcionavão na capitania __ a do Aquirás e a de Fortaleza!
Magnanimos esforços, cruentas pelejas precederão a este acontecimento!
O programa era vencer, apoderar-se do Paiz; mas a pervesidade, com o intuito na ganancia, empalideceo os feitos que podião enobrecer seus autores!...
A princípio o Ceará, bravo como um leão, ao sujeitar-se ao poder estrangeiro, lutou com heroismo! Depois porém... arrazada a sua muralha constituida nos largos e possantes peitos de seus filhos, uns estrangulados e outros redusidos a escravidão, vencido... humilde como um cordeiro, entregou-se aos braços do vencedor!
Livre, portanto, dessas cenas sangrentas, que por muitos annos o enlutaram o Ceará começou a florescer; e os seus pontos prinipaes, bem conhecidos, já erão mais ou menos povoados na epocha, a que nos referimos. e foi então que se sotentou com todos so seus encantos aos olhos do observador, que em extase admirava a magnificencia do solo e a fertilidade de sua vegetação!
Seculares e gigantescas árvores, que constituião uma mata espessa e cerrada, cobrião o seu território, apenas interceptado aqui e alli por taboleiros e varzeas, largos e espaçosos campos de pingues pastagens.
Situado em um terreno geralmente desigual, cuja face, baixa e quazi alagada na costa, se eleva, gradualmente, até a cordilheira da Ibiapaba, à 3000 pés acima do nível do mar, cortva-se de diversos rios que, contorneando uma infinidade de serrotes e outeiros distanciados, rolavão por longas voltas suas volumosas águas, que ião receber as areias da praia.
Altas e majestosas serras se erguião às alturas os seus alcantilados e verdejantes picos, como que procurando nas regiões aéreas absorver o frescor das vaporosas emanações de suas crystalinas águas, que me largos e prateados fios, deslisando de suas fontes pela sinerosidade das penedias, corrião precipitadas até as vicejantes planícies.
O solo, que havia descançado por quatro annos, preterido no seu desenvolvimento, desde 1724 até 1728, pela deveastadora secca, que lhe fechára os povos, refizera de força na estação invernosa de 1729; e os germens, que cuidadosamente encerrava no seu seio, rebentavão com visível impetuosidade!
Prodigioso, magnifico e encantador era o quadro que se estendia ante os olhos do vencedor! Bem vasto era o horisonte dos seus dominios! largo círculo limitava o terreno conquistado:Ao N. e N.E.o atlântico; a L, a capitania do Rio Grande do Norte; ao S. as da Parahyba e Pernambuco,ao O. o Piauhy pela serra Ibiapaba!..
O mez de Junho percorria os gráos da escala traçada pelo calendário: o dia 21 se ostentava radiante de beleza!
a atmosphera limpida, sob o céo azul, dava e livre e desembaraçada passagem aos raios do sol; que, cahindo obliquamente sobre verde manto que envolvia a terra, banhavão de luz os gigantesvos picos da serrania, esmaltando-os com as variadas cores do Iris, e prateando os campos ainda ensopados do orvalho matutino!
Erão 7 horas da manhã.
Phebo, radiante de luz, começava a obra maravilhosa de seus encantos: e a terra sob o seu pesado manto, como a pudibunda noiva que se deixa vestir por mão alheia, sedenta de luxo, permanecia placida e silenciosaante o astro rei, que se erguendo no horisonte, fazia refulgir sua belleza occulta nas densas sombras ods seus profundos valles.
Permita-nos o leitor uma ligeira interrupção, indispensavel ao fio da nossa história.
Existia nesse tempo uma lagoa sem nome, nos campos da villa do Aquirás.
Notavel por sua extensão e largura, seguras as suas águas, tornou-se, embora um pouco distante da Villa, a fonte de banhos que se dizião salutares; era, além disto fertil de caças de todo o genero, e por esta e aquella razão muito frequentada pleos altos personagens da capitania, que chegando a capitania lhe tributavão - lhe as hoenagens de uma visita.
Colloque-se pois, o leitor a margem desa importante lagôa, onde apreciando o quadro que descrevemos, assistirá com nosco nesse humido palco, que tem por scenario profundas selvas e por musica o doce trinado dos lindos passaros, ao primeiro acto de nossa historia.
Tudo era silâncio na hora que indicamos!...
Os pássaros, que haviam terminados seus melodiosos gorgeios, pousavão nos ramos das frondosas árvores, abrindo as azas ao calor do sol, e as aves aquáticas ainda ensopadas, sacudindo as penas de cores multiplas, formavão em torno dessa lagôa um largo círculo onde, descuidosas, tiravão do peito o oleoso succo, que o cahto bico untavão o corpo.
A natureza, como pralizada naquella hora, eausta de tão supremo esforço, apenas respirava, emitindo no seu hálito odoríferos efluvios, que nas zazas da tenue e branda viração perfumavão o ambiente.
Tudo era silêncio; quando de repente o estrepido das patas de um cavallo, que galopva sobre as ondulções de um terreno pedregoso, veio despertar a vida naquela solidão!... Um cavaleiro apontou por uma verêda, que se dirigia àquella lagôa, e atraz delle outro, guardando uma certa distancia. O primeiro, Antonio de Loureiro Medeiros, Ouvidor da capitania; e o segundo João de Medeiros Loureiro, que com elle privava.
O repentino apparecimento daquelles cavalleiros produzio alli completa transformação.
Os passaros, como que assustados, saltando de ramo em ramo sumindo se uns e aparecendo outros soltavão notas que, na multiplicidade do genero, fasião, harmonisadas um concerto admiravel e encantador.E as aves aquaticas, emquanto umas se lançavão n'agua, mergulhando aqui e saindo alli, faceiras estremecião as azas, como que rindo do susto que tomarão, outra com estrepitoso voejar, suspendendo-se em bandos de variadas especies, formavão no ar uma densa nuvem remoinhando sobre o pouso sem quere deixá-lo.
O ouvidor apriximou-se da lagôa, e apeiando-se, esperou pelo companheiro, a quem atirou as redeas de seu cavallo...
Antonio de Loureiro Medeiros, nomeado Ouvidor da capitania do Ceará, della havia tomado posse a 2 de Junho desse mesmo anno, 19 dias antes dos factos a que alludimos, e desejando conhecer os principaes pontos da sua jurisdição, tinha emprehendido visita-los.
Nesse sentido, partindo de Fortaleza, se achava no Aquirás. Foi alli que soube do refrigerante banho dessa lagôa; e, como era das etiquêtas, quiz vel-a, e purificar-se nella da languidez, que padecia.
João de Medeiros, ja conhecedor daquella paragem foi o seu guia.
Eil-os portanto no ponto em que os vimos chegar.
Loureiro, pois, de braços cruzados, em posição contemplativa, prestva séria attenção ao imprevisto quadro que se lhe antolhava!...Homem ambicioso e de imaginação aprehensiva, roloando-lhe no cerebro mil pensamentos diversos, prorrompeu nestas palavras: - << Portugal não foi debalde que as tuas armas embora os milhares de bravos que perdeste, conquistarão tão gigantesco Paiz!! Que selvas, que serras, que portentosa vegetação!!! Mas o que vejo?! Terei ante os olhos a celebre Fada - Morgana do Estreito de Messina?! E de feito, aquella bacia forrada de argentea lamina, tendo por tecto a movediça nuvem de milhares d'aves, que ali pairavão, e por paredes as gigantescas árvores, que em arcadas se lhe estendião em torno, forma naquelle momento uma paisagem que, recordando antigos contos offerecia aos olhos uma habitação de Fadas!... Fatigado, o Ouvidor sentou-se sobre um tronco à beira d'água. A idéia de um thesouro o preocupava!João de Medeiros perto delle mudo e quêdo, tinha pelas redeas os dois cavallos. Aquelle silencio augmentava a sua pertubação... ia, pois, quebral -o, quando de subito estremecendo, de um salto se poz de pé!! Tão inesperado movimento espantou as cavalgaduras; e uma dellas, tomando as redeas, deitou a fugir. João de medeiros poz -se -lhe no encalço; e o Ouvidor ficára só... Não se tinha enganado... Uma voz que parecia de um Moribundo no estertor da morte, soou-lhe de novo aos ouvidos: - Serás tu o hoeme que eu procuro!... e abrindo - se uma mouta tecida de trepadeiras, entre as quais o maracujá fazia brilhar as suas encantadoras corollas;appareceo o busto de uma creatura, cujo aspecto mais tinha de uma visão, do que de um ser humano! Loureiro amendrotado recuou alguns passos, balbuciando estas palavras: É encanatad esta lagoa!... A sua imaginação, povoada de pensamentos desencontrados, o encaminhava à crenças superticiosas! - Si aquilo não era uma esphinge, que vinha prognosti - sar lhe na sua estréa um futuro desastroso, era decididamente a Mãi d'Água, senhora daquelle palacio que vinha saborear-lhe o sangue!... So, quiz correr; porem aquella vizão, movendo-lhe no ar um objecto que tinha na mão, fel-o deter. A ambição estacou-lhe o passo. Raugou se então a mouta, estalando os cipós que a emaranhavam, e o vulto de uma creatura, que parecia mulher, surgio daquelle alcatifado recinto. Esbranquiçados cabellos, estirados como as cerdas do Javali, pendião - lhe da cabeça até a cinta; e o corpo vergado, fasendo-os cahir sobre a fronte, deixava ver nelles uma toalha branca meio esfumada, que lhe envolvia o rosto. O resto do corpo era coberto por uma saia curta tecida de penas de pássaros, preza as costelas ocultando-lhe as mamas, e sustentada por duas largas embiras, que enlaçvão os hombros: as espaduas e os braços estavam nús. O andar, entretanto, era ligeiro!...poucos passos deu para aproximar-se do Ouvidor, que recebeu-a de punhal na mão! - Senhor, desculpai a pobre india que infeliz na sua vida, tem hoje a dita de vos fallar. O Ouvidor encolheo os hombros,indicando com a ponta de seu punhal a distancia, que os devia separar... A india comprehendeo naquella resposta muda, naquelle gesto ameaçador o que se passava na mente do Ouvidor; e apesar da sau longevidade, como que reanimando-se em frente do perigo, reunio todas as suas forças, sacodio para traz os cabelos que lhe cobrião o rosto, e, empertigada, retorquio lhe em termos pouzados e energicos: Guarada Senhor a tua lamina... Mais ligeiro nem mais valente serás do que o Juguar!...E elle, neste momento, cahiria com o coração atravessado por duas flechas, antes que sobre pousasse as garras... Na matta quatro olhos que não pestanejão, se fixão sobre o teu corpo...Dois arcos possantes ja se entesão sobre suas flechas; e terás a mesma sorte do Jaguar, se por ventura não te mostrares cavalheiro em presença de uma mulher velha inoffensiva! Diante de ti tenho apenas uma missão - cumprir a disposição de ultima vontade de um guerreiro, que pelejou pelo teu rei. Ouve, pois,a minha história que talvez te possa interessar... O conselho pareceo calar no animo do Ouvidor, pois que occultando o punhal, bondoso declarou que estava , às ordens de sua interlocutôra... Um profundo suspiro, que escapou do peito da india, foi o preludio da sua história, que começou assim: "No anno de 1648, a 24 de agosto, quando nos arraiaes dos Pernambuccanos o prazer transbordava nos caorações pela derrota do exercito do general Segismundo, na baalha dos Guapápes; quando um reforço de 400 homens, ao mando de Figuerôa, por ordem do governador geral se reunia aos guerreiros da minha e da tua raça para fortificar os terços, que sitiavão, no Recife, aquelle pirata Hollandez; quando tudo era alegria, porque parecia aproximar-se o temo de uma luta, que à 18 annos bebeu o sangue humano como o mar as aguas das fontes, uma dor profunda veio empalidecer os rostos dos combatentes Portuguezes, e amargurar a existencia dos indios Tabayares..." "Na matta, onde os sitiates havião levantado suas tendas, em um leito de palhas sob a frondosa copa de uma arvore, que lhe servia de cortinado, um homem, um heroe exhalava seu derradeiro alento." "Esse homem, Senhor, era Antonio Felipe Camamrão, o gurreiro afamado do seu tempo, cujos relevantes serviços forão considerados pelo teu soberano, que em 1635, lhe conferio o titlo de Dom, que ornava o seu nome, e o habito da Ordem de Christo, que lhe pendia do peito!..." "Aquella dor, Senhor, foi o resultado da morte desse heróe brasileiro, sob cujos golpes havião cahido milhares de inimigos; sob cuja bravura e lealdade descansavão teus generaes, e prolongavão a vida os especuladores de tua raça..." Taes recordações, naquelle momento, produzirão acerba dor ao coração daquela mulher! A vehemencia das suas ultimas expressões exprimem precizamente o que se passava em sua alma... Ella parou, suffocada pelos soluços que abastava no peito; e aquelle rosto bronzeado, que a velhice havia amortecido, incendiou-se tomando formas assustadoras! Um movimento convulsivofê-la extremecer, e de repente, como se uma vibora a mordesse, avançou dois passos para o Ouvidor... Pozera-se ao seu alcance. Loureiro aturdido, embora visse naquella mulher um espectro, puchou de novo seu punhal... Então um ruído semlehante ao que produz o vôo precipitado da rôla, rapido como o raio, atravessou o espaço e duas flechas, arremessadas de logares oppostos, cahiram, crusadas entre ambos, ficando no chão as suas agudas e farpadas pontas de ferro! Loureiro gelou... O punhal chiu-lhe da mão! e a india, arrimando-se àquellas duas flechas, que lhe suportavão o pezo, derramou copiosas lagrimas...Depois encarando o Ouvidor, e sem considerar aquelle incidente, continuou: "As lágrimas que vistes rolar por estas descarnadas faces, não foram simplesmente o effeito da recordação de um morto querido! Não!...Camarão, o chefe da Tribu Tabajara, já velho e doente devia pagar seu tributo à natureza... Ellas são lavas que o meu coração vomita, escandecido pela traição e cruêzas d'aquelles que, como tu, apossando-se de um paiz que lhes dá riquezas, ludibrião a Nação, escravisando com a mais negra ingratidão os livres filhos das selvas!!! Camamrão, como ue ha pouco, chorou na hora de sua morte, hora suprema, sentindo ter com o seu braço suerguido por vinte vezes o exercito da tua raça, que sucumbia oas golpes Hollandezes!" "E elle tinha pressentimentos; mas na nobreza de sua alma attribuia uma parte das atrocidades de seus alliados às necessidades da guerra! Foi victima de uma illusão!...Neste momento, senhor, eu sou a imagem da Pátria, que acabrunhada de opressões, reage contra ti, que symbolisas o poder... e a india, altiva,, mantendo-se em um certo pá de dignidade magestosa, em tom prophetico acrescentou: O espetaculo que ora se dá, será reproduzido no futuro: Um grito, como o que se exahlou do meu peito, arrebatará este Paiz às garras de Portugal!...a nação abatida se erguerá!...As suas armas assustarão o despotismo, e a libreddade assumirá os seus direitos." "No Sul se levantarão Leões, e no norte os cordeiro se farão heroes. Uma revolução lenta e pacífica fará reconhecer a dignidade do homem, abolindo a escravidão!" Começa, pois, Ouvidor, essa grande obra, naõ consentindo que no território de tua jurisdição o homeme seja propriedade de outrem!...Compulsa o cartório de Orphãos de S. José do Riba-mar, e nelle encontrarás um escândalo que te fará enrubescer as faces!..." "O sargento -mór João da Cunha Lemos, esse juiz deshumano, foi o primeiro que sanccionou nesta capitania a venda do homem, por uma setença firmada de seu punho no dia, sempre execrável, 17 de Agosto de 1719!" "Lê o inventário que se fez, haverá 10 annos, por morte da mulher de Antonio Mendes Loubato, e n'elle verás que entre os gados vacum e cavallar foi descripta uma relação extensa de indios Calabaças e Cariús, que, avaliados a 13$000rs a 30$000 e 55$00 rs. forão partilhados como escravos entre seus herdeiros!! "Não!...Não foi isso que se prometeu a Camarão, que na guerra respondia ao retira-te que lhe cochichavão as balas, com o avante que lhe ditava seu coração leal e corajoso!..." Alguns minutos se passarão em silêncio... Loureiro não descerrava os lábios: era a imagem do réo; confesso, ou antes prisioneiro, que só tinha a esperar da generosidade do vencedor! A índia , porém, passado este momento, adoçando a voz, e com um olhar compassivo prosseguio: Desculpa, Ouvidor, se te peretubei o espírito; a verdade tem suas rudezas, e o offendido nem sempre tem calma para pautar as suas palavras segundo as normas da etiquêta... Naõ estava em mim deixar de exporte o estado de degradação da Pátria, como não estava em mim, relatando-o, deixar de exceder-me nas expressões. Qaundo a dor aturde-nos, na sua vehemencia faltamos, às vezes, as regras do cavalheirismo... Desculpa. E, dizendo isto, a India arrancou as flechas, quebrou-as em quatro pedaços, que sacodio ao fundo da Lagôa; e, voltando-se para o Ouvidor, accrescentou: Estás livre: fica ou parte, como quizeres; mas, eu te suplico, me concedas ainda alguns instantes... Tenho uma missão a cumprir. O Ouvidor respirou, e olhando para o punhal que lhe estava aos pés, mais socegado, respondeo: Fala, mulher, quando quizeres, já te disse - estou as tuas ordens. - Pois bem, escuta: - Eu me chamo Mecejana, sou filha de Diogo Pinheiro Camarão. Nasci no anno de 1626, no dia 21 de Junho, e hoje completo a idade de 103 annos! Meu Avô foi chefe da Aldeia de Mecejana, onde nasci, nome que meu Pai, por grata recordação, m'o deo, em que recebi nas aguas do baptismo no dia 26 do mesmo mez, officiando no Sacramento, Frei Christóvão de Lisboa. Forão meus padrinhos - Martin soares Moreno e N. Senhora Sant'Anna. Sou, pois, cearense; christã... Tranquiliza-te; nada tens que receiar de mim. Estas palavras produzirão um effeito modificador nas aprehensões do Ouvidor... O Sol ja se tinha levantado bastante; e à sua claridade havião desaparecido as sombras, que união as árvores; estas começavão a balançar-se ao poente sopro do vento, que, lhes torcendo as copas, as destacava, levantando nas águas da lagôa pequenas ondulações, que se estendião nas margens, revolvendo o paúl de mistura com branca espuma; e as aves, já cançadas de seu demorado pairar, formando-se em linhas triangulares, desfilavão no espaço, desapparecendo por detraz dos montes. desfizera-se, pois, a miragem que o Ouvidor tinha tinha ante os olhos, concorrendo este cortejo de circumstancias naturaes para desvanece-lo do seu espanto! Elle voltára ao seu estado normal... Via uma simples lagôa e uma mulher que o pezo dos annos recurvara o dorso desfeiando-lhe as formas, mas dando -lhe subido gráo de uma dignidade respeitosa... Envergonhara-se; mas acalmando - se disse: _ Continua, velha respeitavel; eu te ouvirei sem o menor enfado: senta-te sobre aquelle tronco, pois já deve estar cançada. Um sorriso se deslisou nos lábios da India, imaginando naquelle acontecimento que estableceia entre ella e o ouvidor, uma intimidade complacente, a paz futura de ssua Patria, nos termos da prophecia que fizéra. Aceitando, pois, o offerecimento do Ouvidor, sentou-se balbuciando estas palavras: - Um dia, como eu agora, a Patria repousará descansada; a liberdade surgirá;os povos falarão ao Rei, e as suas queixas serão ouvidas, serão attendidas...E numa rápida trnsição continuou desta maneira: - << Sim, Ouvidor, naquelle tempo, quando tudo era alegria, só Camarão gemia no leito da dor, e eu velavca a sua cabeceira! Meu pai, no impedimento daquelle enfermo, assumira o coamndo de seu terço e partira com Jacaúna para o cerco do Recife, aonde os chamavão a honra e o dever. Triste, penosa foi a despedida daquelles tres heroés!... Aquelles homens, cujos rostos nunca se mancharam com a sobra do susto, sntados sobre folhas, no chão, um ao lado do outro, derramarão torrentes de lágrimas! a amisade os reunira, a dor os humilhára; e a separação, oprimindo seus corações, fisera daqueles leões encanecidos tres creanças timidas, affectuosas!... Os seus largos peitos arpavão; mas um só gemido não desprendião!... aquelle silencio exprimia, em hora tão suprema, quanto havia de mais sublime nos corações daquelles três amigos!Afinal Camarão rompeo: << partão, irmãos; o bom guerreiro não se faz esperar! dois sons bem distinctos chegam neste momento aos meus ouvidos - a cornêta que vos chama aos seus postos, e a voz do senhor que me chama ao seu seio>>... E disendo erstas palavras com tom firme, resoluto cobriu o rosto com a ponta de seu felpúdo lenço!...
Os dois amigos comprehenderam a sua intenção naquelle gesto. Levantarão -se silenciosos, apertaram-me nos seus braços, e partiram apressados!
Meia hora depois se descobrio aquelle rosto venerável... Só eu estava alli! Descrevê-lo é impossível; basta dizer que a dor, a mágoa e um profundo sentimento estavão nelle traçados... Sentei -me a seu lado; e a sua voz fraca e debil se fez ouvir - escuta filha: quiz a sorte que eu, no anno de 1611, me aliasse, no Ceará, a um homem a quem dediquei todas as minhas affeições... esse homem era Martin soares Moreno, teu padrinho, amigo de Jacaúna, o teu avô. - Motivos poderosos o fizerão abandonar o Brasil em 1646; e na sua partida, quando o meu coração pulsava sobre o seu, elle me deu um papel para entregá-lo ao Ouvidor daquella capitania, prevenindo-me de que, antes de faze-lo, estudasse o carater e virtude dessa autoridade.
- Ainda me soão aos ouvidos estas doces palavras: - mais confio em ti, Camarão, que no estrangeiro como eu!
- Quando, pois, me vires morto, tira d'aquella moca um cabacinho embutido em fios untados de resina, no qual o guardei, e dá-lhe o destino. Vive e espera o Ouvidor... Elle não respirava mais!! Morreo como o justo; e a sua alma voou ao céo como um arcanjo querido do Senhor... Só! Fiquei no meio das selvas! Eu contava 22 anos de edade...No dia seguinte Jacaúna meu avô apareceu: e sepultado o morto conduziu-me à taba de seus maiores, na Serra do Gabigi, no Rio Grande do Norte.
Alli vivi, e esperei, como mandou Camarão, até que houvesse Ouvidor nesta capitania, para onde parti a 23 de agosto de 1723, quando tomou posse o 1. Ouvidor José Mendes Machado.
O seu caracter, por suas turbulencias, não me inspirou confiança, como também não me inspirou Mathias Ferreira de Carvalho, que inteiramente o substituio!
Esperei ainda e chegaste tú... a minha idade não me permite maior experiência; e já te procuirava, quando o acaso neste logar, que te pareceo encantado, me fez deparar contigo!
Toma, pois, O' Ouvidor, este deposito que, a 81 annos, me foi entregue! elle encerra atlvez um thezouro... sê digno da confiança que me inspiraste... e a India, já de pé, retirou-se ligeira como a córsa, desapparecendo na matta, que se lhe fechou nas costas!

sábado, 12 de novembro de 2011

QUEM NÃO SE LEMBRA DO PADRE ARAKÉM!

FOMOS AGRACIADOS NESTE MÊS POR UM TEXTO DE PADRE VALDERY DA ROCHA SOBRE PADRE ARAKÉN.
ELE O PRODUZIU PARA O JORNAL A VOZ DE MORRINHOS, MAS NOS PERMITIU PUBLICÁ-LO AQUI
COMO TODA MEMÓRIA, ESTA É PRECIOSA E ÚNICA.
NOSSOS AGRADECIMENTOS AO PADRE VALDERY.



Morrinhos deve muito a um padre já falecido, há 42 anos. Convidado a escrever algo para a Voz de Morrinhos, lembrei-me de prestar a ele minha homenagem, para que não fique no esquecimento ou sem o conhecimento das gerações mais jovens. Ele foi um daqueles testemunhos de sacerdote de que o mundo carece, como falou Bento XVI, na abertura do Ano Sacerdotal que vivemos dois anos atrás. Falo do padre Francisco Arakém da Frota, que chamávamos padre Arakém.


FUI BATIZADO POR ELE

Fui batizado poe ele, ainda quando era vigário de Santana. Conheci-o nas suas andanças por Morrinhos, quando já não era mais Vigário, mas apenas colaborava no pastoreio. Na época, Morrinhos pertencia à paróquia de Marco, fundada no final do ano de 1941. Guardo lembrança do seu jeito simples e humilde de viver. Menino, eu prestava atenção às conversas dele com as pessoas em volta. sempre que se referia ao Valdecy Vasconcelos, aquele do IAPC, de quem era padrinho, dizia que ele era " a quarta pessoa da Santíssima Trindade". Ele o tinha como filho espiritual, a quem queria muito bem. Em Santana, padre Arakém era assíduo à casa dos pais dele, Oscar vasconcelos e Rita.
Ouvi-o várias vezes contando histórias do Seminário e, humilde, dizer que era tão "rude" que seu professores deixavam-no ir em frente nos estudos, só olhando o exemplo do Cura d'Ars que, também quando seminarista na França, era intelectualmente incapaz de assumir o sacerdócio. Admirável. Ele, padre Arakém, nas pegadas de São João batista Vianney, Cura d'Ars, hoje patronop dos sacerdotes e dos Párocos...!
Tudo o que se disser aqui sobre padre Arakém pode ser até novidade para os leitores. Pesquisando a melhor coletânea de biografias que temos sobre os padres do Ceará, desde 1700 a 2004, incorpradas na coleção "Ungidos do Senhor na Evangelização do Ceará" (Editora Premius, 2004), de Aureliano Diamantino da Silveira (Padre), sobre ele encontrei apenas seis linhas, tão resumidas que até omitem a data de seu falecimento, ocorrido em Santana a 5 de Setembro de 1969, com 75 anos. Estão assim escritas: " Nasceu em S.Ana, a 27 de Junho de 1894. Foi solenemente batizado na igreja matriz de S. Ana a 17 de Julho de do mesmo ano. Recebeu a ordenação sacerdotal das mãos de D. José Tupinambá da Frota, Bispo Dioceasano, no dia 4 de Janeiro de 1920. Vigário de S.Ana, (posse 22 de agosto), de 1920 a 1941. Pais: Manoel Lúcio Carneiro da Frota e D. Úrsula anália da Frota. construiu as capelas de Bom Jesus e Sítio". Só isso.

QUEM ACHOU O SACO DO CASSACO?

o poeta e escritor José Alcídes Pinto, já falecido e que era de Estreito, já escreveu sobre ele, de forma fictícia, em um de seus romances, personificado com o nome de Padre Tibúrcio. Mas suas histórias, seus "causos" reais, deixo que so conte João Lourival Rocha, no livro de suas memórias, a ser publicado em 2014, por ocasião do centenário de nascimento de meu pai. Ali há um capítulo intitulado: " Quem não se lembra do padre Arakém!", do qual transcrevo aqui uma pequena parte:

"Morrinhos era capela de Santana, sendo, portanto, pastoreada pelo Padre Arakém, vigário da Paróquia. Meu avô Joaquim Coriolano era o procurador da capela e o padre se hospedava em sua casa.
Padre Arakém era filho de pais abastados e viveu tão pobremente que, no final de seus dias, sustentou-o a caridosa e fraterna iniciativa do Pároco de Santana que lhe mandava a alimentação. Sempre de batina preta, sofria da coluna. As viagens de um lugar para outro, também nos chamados para confissões dos enfemros, fosse aonde fosse, eram feitas a cavalo.
Tímido e alegre, mas "brabo" no jeito de reclamar. Sua brabeza era só "se fazendo", no dizer popular. Mostrava-se mais assim com as mulheres, e dizia, brincando, que só falava com elas, por que a mãe dele era mulher. Quando ele estava irritado e alguém lhe pedia para se confessar, ele dizia "não vou....não vou". repetia isso, mas indo, tortinho e andando apressadinho, para o confessionário. Era baixinho. Todos os que conhecemos, o tínhamos como homem piedoso, admirado e santo.
Ele gostava de Morrinhos. Aqui havia pouco trabalho para o Vigário, a não ser em tempos de festas da Matriz e nas capelas que eram poucas, mas distantes. Não havia o que chamamos hoje de "comunidades". O trabalho era a Missa, algumas confissões, ou chamado para alguma Extrema - Unção, hoje Unção dos Enfermos. Os padres não faziam tantas reuniões como hoje. a Missa era sempre celebrada pela manhã, e logo cedinho, pois não era permitido missa na parte da tarde ou da noite. só até mais ou menos nove horas da manhã, pois o padre e os fiéis que iam comungar tinham que ficar em jejum, e sem tomar qulaquer líquido, nem água, até a hora da comunhão. Todos obedeciam.
Se por descuido comessem ou bebessem alguma coisa, não podiam comungar. Muita gente, por exemplo, "quebrou" a corrente das nove sextas - feiras por ter tomado água.
O único passatempo e diversão do Padre Arakém era jogar baralho, ou gamão, junto com os filhos do Doca silveira e o genro do meu tio Joaquim Criolano, Francisco Plínio. Era também parceiro dele o tio Francisco Coriolano. Quando o padre ganhava dava muitas risadas; risadas tão compridas que aprecia até estar ele engasgado. Quando perdia no jogo, a gente notava que ele ficava trsitezinho... Os filhos do Doca e o Chico Plínio "se combinaram", de modo a que o padre perdesse poucas vezes. O Jogo era "apostado". Só que o dinheiro envolvido era só uma "mixaria". Quem perdesse, perdia uma rapadura e quem ganhasse. ganhava outra, por exemplo. Era somente para divertir e ajudar ao vigário.
Ele era tão acostumado ao gamão que, quando vinha de Santana a Morrinhos, chageando no final da tardinha, sesus companheiros de jogo já estavam a postos na calçada. Ao descer do cavavlo, nem chegava a entrar na casa, sentando-se nas cadeiras já postas na calçada para a diversão, aliás, bem apreciada por muitas pessoas de Morrinhos.
Quando havia gente "peruando" o jogo, o padre Arakém dizia: - "Olhe, jogar a dinheiro é pecado. Eu jogo porque sou pecador, mas eu me confesso e aconselho que ninguém jogue, pois é pecado!"
Na época, os padres só faziam pregação aos domingos. Padre Arakém só raramente. Sua voz era fraquinha e um pouco fanhosa. Não tinham as igrejas microfone ou som para a amplificação da voz.
Era no tempo da seca. O governo mandou fazer a estrada de piçarra Morrinhos - Acaraú para dar serviço e emprego ao povo. Havia muitos trabalhadores vindo de todos os lugares. Eram chamados de " cassacos do Governo", pois fugiam das agruras da seca. Meu irmão Otacílio, com graça, conta que, certo dia, padre Arakém já tendo descido do latar para a oração de despedida do final da missa, de repente, subiu novamente os batentes e voltou-se para o povo pedindo: "Atenção!" A fala causou admiração. " O que será que ele vai pregar?!". Pensaram as pessoas. Em silêncio, todos puderam ouvir o que ele pusadamente falou: " Uma cassaco perdeu um saco. Quem achou o saco do cassaco, entregue o saco ao cassaco. Quem não tem saco, o que é que quer com o saco do cassaco....?" Só isso! E foi para a Sacristia.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

COMENTÁRIOS AO CAPÍTULO II DE O MUNICÍPIO DE SANT'ANNA

Este segundo capítulo que transcrevemos é, na verdade, uma segunda parte da introdução á história do município de Santana do Acaraú proposta pelo autor.
Nela, mais uma vez, percebe-se a intenção de ligar a história do município a do Estado do Ceará.
De maneira resumida o autor relata o desligamento do Ceará da Capitania do Maranhão, sua elevação à categoria de Capitania subalterna a de pernambuco,a criação da Vila da Fortaleza, a disputa pela sede da Câmara, travada entre o partido do Aquiraz e o de Fortaleza; A Rebelião indígena de 1713, a elevação da Capitania do Ceará à condição de Capitania independente de Pernambuco, a outorga do título de cidade à Vila de Frotaleza em 1823 e a de Província à Capitania do Ceará, na época do Brasil Império.
Neste bojo,a Rebelião indígena de 1713 é "citada" como um obstáculo ao desenvolvimento da Capitania e os indíos Areriús como bárbaros que espalharam nas plagas do Acaraú grande terror que levou "os habitantes" do vale do Acaraú a buscarem refúgio com os civilizados índios da Serra da Ibiapaba: os Tabajaras, tutorados pelo Padre Ascenso Gago.
Os limites do antigo Curato do Acaraú são descritos para que o leitor compreenda o cenário onde ocorreram os fatos descritos pelo autor. Tal curato deve sua criação às informações fornecidas à coroa pelo custódio da Missão Franciscana Maranhense: Frei Cristóvão de Lisboa que passou pelo dito trritório no ano de 1626, ocasião que já foi bem explorada por nós em postagens anteriores, cujos links aqui colocamos para o melhor acesso do leitor:

MEMORIAL DA PARÓQUIA DE SENHORA SANT'ANNA: A PROPÓSITO DA CARTA DE FREI CRISTÓVÃO TRANSCRITA NO LIVRO O MUNICÍPIO DE SANT’ANNA.

MEMORIAL DA PARÓQUIA DE SENHORA SANT'ANNA: FREI CRISTÓVÃO DE LISBOA - CAPÍTULO III: A VIAGEM MISSIONÁRIA DE 1626

MEMORIAL DA PARÓQUIA DE SENHORA SANT'ANNA: FREI CRISTÓVÃO DE LISBOA - CAPÍTULO II

CAPÍTULO II DO LIVRO O MUNICÍPIO DE SANT'ANNA

CONFORME PROMETEMOS POSTAGENS ATRÁS, CONTINUAMOS A TRANSCRIÇÃO DOS CAPÍTULOS DO LIVRO O MUNICÍPIO DE SANT'ANNA, FAZENDO, APÓS A PUBLICAÇÃO DOS MESMOS, COMENTÁRIOS QUE TÊM POR BASE A MODERNA HISTORIOGRAFIA.
NESTAS TRANSCRIÇÕES MANTEMOS O PORTUGUÊS DA ÉPOCA.

CORRIA O ANNO DE 1655

O Brasil livra-se do poder Hollandez; e o Ceará, desannexado do Estado do Maranhão, voltou a fazer parte, como d'antes, da Capitania de Pernambuco.
Restituido pois, ao seu primitivo estado de colonisação o Ceará já bastante rico de gados, foi elevado à cathegoria de capitania subalterna à de Pernambuco, a 16 de Setembro de 1668.
As condições de seu engrandecimento já se faziam nota; e então por carta regia de 13 de Fevereiro de 1699 se ordenou a creação de uma Villa junto a Fortaleza, que , n'esse tempo, era o centro capital da florescente colonia.
Grande foi o contentamento que produzio a publicação daquella ordem; os seus efeitos não se fizeram esperar!No anno seguinte, a 25 de Janeiro de 1700, se procedeo à eleição da sua primeira Camara, sendo escolhido para sede o sitio Aquiraz, d'onde a 24 de Março do mesmo anno, foi transferida para a povoação de Fortaleza.
Começou então o governo civil.Com a Camara foram eleitos dis juizes ordinarios, que logo assumirão o exercício das respectivas funções.
O acontecimento auspicioso da inauguração da Villa foi logo perturbado com a transferência da sua Séde! E, d'ahi, nascendo a intriga, serias discordias depois atropellarão os interesses reaes da nova capitania!
Existião a esse respeito dois partidos, e o do Aquiraz, sempre pertinaz no seu intento, conseguio por fim, passados 13 annos, a volta da Séde da Villa para seu seio, a 27 de Junho de 1713.
A discordia no poder publico foi sempre fatal aos interesses do povo! Nesse mesmo anno enqunato lutavam os homens do governo pela quaetão da Séde, abandonados gemião so moradores do Acarahú sob a pressão dos índios Areriús, que se havião levantado!
Nada de soccorro!...A fuga tornou-se indispensavel; e foi nella que encontrarão os meios de salvação, sendo aliás bem recebidos na Ibiapaba pelos Tabajaras, que, ainda fieis, se deixavam dirigir pelo Padre Ascenso Gago.
Continuava a pendencia; e outros interesses palpitantes da Capitania ficarão de lado! Nesse mesmo anno - 1713 - e, segundo a chronica do Conseheiro Araripe, até 1716, apenas existia na Capitania uma só Freguesia!
Permanecião, pois, as cousas neste estado, quando para obsta-las o governo ultramarino, por solicitação do governador geral do Pernambuco - Manoel Rolim de Moura - por provisão de 11 de Março de 1725 elevou à Villa a Povoação de Fortaleza. A 13 de Abril do anno seguinte (1726) teve logar a sua installação; e ficou servindo de séde do governo civil da capitania; terminando-se assim, aquella questão, que tão maos effeitos produzio!
Por esse tempo quando apenas havia a Freguesia do Aquirás, e, talvez, a da Fortaleza, desmambrada daquella, já existia um antigo curato no Acarahú. O seu território comprehendia todo o litoral desde o mundahú até a Parayba; d'ahi estendia-se a tá a Ibiapaba, abrangendo em forma de circulo a Serra dos Côcos e as Ribeiras do Aracaty - assú o Mundahú. para esse ponto devem convergir as atenções do leitor:
E se curato foi devido a intervenção de Frei Christovão de Lisboa, quando em 1626, exercia o cargo de custódio do Maranhão; e a sua história alludida: por mais dois minutos a sua benevolência.
Unida esta à capitania de Pernambuco desde 1655, ficou o Ceará dependente della pelo Alvará de 17 de Janeiro de 1779.
O seu 1º governador foi o chefe de esquadra Bernardo Manoel de Vasconcelos, sendo Rolim o último em 1822.
Crescida, e já bastante populosa, a sua Villa foi elevada a cathegoria de cidade em 1823. Erão já decorridos 322 annos da descoberta do Brasil quando uma nova aurora bafejando-o em hora propícia, veio estabelecer uma nova ordem de cousas, mudar a face da governança!
Constituindo-se o Brasil independente, creada a Constituição politica do Imperio, e jurada a 25 de Março de 1824, passou a Capitania à Província; e o seu primeiro presidente foi o Tenente Coronel Pedro José da Costa Barros.
AO LEITOR

A exposição feita, benevolo leitor, que começou em 1611, e como se vê ainda deste número, terminou em 1824, de certo vos terá fatigado a paciência, tomando-vos, por fim,vacilante a cerca da applicação que ela possa ter em relação ao onjeto de sua proposição...
De facto; quem conhece o municipio, e sabe que ele apenas conta com 20 annos de existência, a datar da creação de sua Villa, em 1826, a primeira vista não poderá compreender como elle, tão recente, se possa prender a factos tão remotos, que quasi se perdem na noite dos tempos!
Pois bem; para obviar estas e outras duvidas, de certo já levantadas, é que o folhetinista, dedicando-vos esta página apressa-se, antes de entrar em seu intuito, em declarar que mais antiga, do que se suppõe, é a história do seu Município...Os aconecimentos que lhe dizem respeito, datão de 1626, 15 annos depois da fundação da Colonia Cearense no sitio Aquirás, em 1611: e nestas condições, tratando da sua história, paezar do título a ella dado, entendeo que não devia simplesmente limitar-se aos factos ocorridos da creação do Município a esta parte.
A história de uma localidade, como a de um Paiz, deve descer à sua origem, e d'ahi subir por detalhes até as condições, em que actualmente se achar.
Pensando assim, não duvidou o que ora vos dirige estas linhas, fazer aquella ligeira exposição, que aliás vos offerece como uma introdução da história a que se propõe.
Justifiquem, pois, etas palavras o que até aqui se tem publicado, e permita o complcente leitor que o folhetinista, calouro nesta matéria, e, alem disto, destitutido de conhecimentos literários, tenha algu8ma liberdade em seu estylo, perdoando - se - lhe o seu dezaro em atenção do que se dedica.
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Acarahu, rio das garças, na lingua indigena.